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sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Iron Maiden - The Book of Souls (2015)

18:17

Cinco anos após The Final Frontier, o Iron Maiden está de volta com o seu décimo-sexto disco. The Book of Souls é o primeiro álbum duplo de estúdio da banda, e também o registro mais longo da carreira dos ingleses. O trabalho traz onze faixas e foi produzido por Kevin Shirley, o responsável pelos últimos lançamentos do grupo.

The Book of Souls é um álbum ousado e totalmente fora da curva do que se esperaria do Iron Maiden, principalmente a essa altura da carreira do sexteto, que está na estrada há quarenta anos -  a banda foi formada pelo baixista Steve Harris em 1975. Fora da curva porque traz uma sonoridade renovada e surpreendente, acentuando uma característica que estava cada vez mais evidente nos últimos discos: o mergulho no rock progressivo. Em The Book of Souls o Maiden se joga sem medo no prog, e é justamente esse fator que torna o trabalho tão impressionante.

Por mais estranha que essa afirmação possa parecer, a sensação é que estamos diante do primeiro trabalho “adulto" da banda. As melodias fáceis, as soluções simples, as canções mais diretas, praticamente não existem. Mas não se assuste, pois isso não significa que estamos diante de uma complexidade impenetrável, muito pelo contrário. A banda bebe com classe no progressivo e traz para a ordem do dia canções que se desenvolvem em arranjos repletos de camadas, mudanças de andamento constantes e um onipresente requinte instrumental. E aí entra aquela que provavelmente é a jogada de mestre de The Book of Souls: tudo isso foi gravado ao vivo no estúdio, praticamente sem overdubs. O resultado é uma espontaneidade absolutamente refrescante.

Os mais apressados poderão tomar um susto ao verificar a duração das faixas - as mais curtas ficam nos cinco minutos, enquanto três ultrapassam a barreira dos dez. Mas, quando algo é bom e bem feito, não soa maçante e desnecessário, e isso se verifica de maneira clara em The Book of Souls.

Os recentes projetos pessoais de Steve Harris e Adrian Smith - British Lion e Primal Rock Rebellion, respectivamente - fizeram bem à banda, oxigenando a sonoridade e renovando a musicalidade do grupo. Há uma divisão muito mais democrática na composição das faixas, com todos colaborando - a exceção de sempre é Nicko McBrain. E aqui um detalhe merece menção: The Book of Souls é o primeiro álbum da carreira do Maiden em que Steve não domina esse quesito - no novo disco, Bruce Dickinson é o maestro e está praticamente em pé de igualdade com Harris.

Salta aos ouvidos a inegável qualidade das novas canções. Das onze faixas, praticamente todas se destacam - a única exceção é justamente o primeiro single, a mediana “Speed of Light”. Da abertura classuda com “If Eternity Should Fail” ao brilhantismo de “The Red and the Black”, do ar épico da faixa-título ao clima meio hard de “Tears of the Clown” (música que homenageia o falecido ator Robin Williams e poderia muito bem estar em The Chemical Wedding, melhor álbum solo de Bruce), o que se vê é um desfile de ótimas composições como há muito tempo o Iron Maiden não entregava aos seus fãs.

O clímax está na canção que encerra o trabalho, “Empire of the Clouds”. Com mais de 18 minutos e composta somente por Dickinson, assemelha-se a uma sinfonia que se desenvolve em movimentos intercalados, culminando em uma longa passagem instrumental que tem o trio de guitarras como protagonista. De cair o queixo, literalmente!

Todos os músicos mantém o alto grau de performance característico, mas três se destacam. Bruce canta com enorme feeling, e a notícia de que o vocalista foi diagnosticado com câncer na língua após a gravação só torna ainda mais impressionante o seu trabalho. Steve Harris é o coração do Iron Maiden, e segue fazendo-o pulsar com o talento de sempre. E, por fim, Adrian Smith brilha de maneira absoluta comandando o trio de guitarras, reafirmando o seu papel como um dos maiores instrumentistas da história do heavy metal.

The Book of Souls é um disco impressionante. Um álbum totalmente fora das expectativas daquilo que o Iron Maiden lançaria a esta altura da sua carreira. O disco supera toda e qualquer prognóstico a seu respeito, e deixa a certeza do quão único é o sexteto liderado por Bruce e Steve. Sem dúvida, o melhor álbum do grupo desde o retorno de Dickinson e Smith.

O Iron Maiden vive um novo apogeu, e The Book of Souls é a prova definitiva disso.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Ghost - Meliora (2015)

11:38

O Ghost abriu esta década como um sopro de renovação no heavy metal. Em um cenário dominado por zilhões de bandas idênticas, cada uma querendo soar mais rápida, extrema e agressiva que a outra (e, por isso mesmo, soando todas iguais e inócuas), os suecos foram buscar no passado a inspiração e as referências que trouxeram um ar refrescante para o seu disco de estreia.

Lançado em 2010, Opus Eponymous é um grande disco. Suas faixas, sempre com melodias fortes e linhas vocais inspiradas, bebem direto nos ensinamentos dos antigos ícones do rock, e o resultado é um álbum viciante. Infestissumam (2013) deu um passo além em relação à estreia e também é um grande álbum. Seguros com a ótima recepção ao debut, o sexteto mascarado experimentou sem medo, gravando um disco repleto de momentos surpreendentes como “Secular Haze”, “Ghuleh / Zombie Queen”, “Year Zero” e “Monstrance Clock”.

Tudo isso coloca uma dúvida em relação à Meliora, terceiro registro do Ghost, que acaba de chegar às lojas. A expectativa em torno da banda, turbinada pelos elogios vindos de músicos do quilate de James Hetfield e Dave Grohl (que inclusive chegou a tocar com os suecos), como sempre plana nas alturas. Por isso, a curiosidade em ouvir o disco e checar, de uma vez por todas, o que Papa Emeritus e sua turma nos entregaram dessa vez, pode prejudicar a avaliação do trabalho. Digo isso porque, na primeira audição, achei Meliora fraco, bem mais do mesmo. No entanto, desacelerei a ansiedade e escutei o álbum com mais calma, dando espaço para a música invadir meu ambiente. E então, tudo passou a fazer muito mais sentido.

Não há nenhum rompimento drástico em relação aos dois álbuns anteriores. A banda soube equilibrar elementos de Opus Eponymous sem abrir mão dos experimentalismos de Infestissumam, e isso, por si só, é uma excelente notícia. Há canções que retomam a aura de “Ritual" e “Elizabeth”, as duas principais faixas da estreia, como é o caso de “Spirit" e da ótima “From the Pinnacle to the Pit”. O grupo equilibra o peso do metal e a acessibilidade do AOR na dobradinha “Mummy Dust” e “Majesty”, essa segunda com um teclado que soa como uma homenagem ao grande Jon Lord.

Mas o mais importante é que as características que fizeram Infestissumam alcançar o status de grande álbum foram preservadas e aprimoradas pelos suecos. O experimentalismo, a ousadia e o desejo de levar a música para novos caminhos - sejam eles do agrado dos fãs ou não - seguem intactos em diversos momentos. “Cirice" é uma aula de melodia e dramatização. “He Is” derrama belíssimas melodias e linhas vocais, colocando um sorriso imediato no rosto. 

A dicotomia que embala em uma mesma canção a agressividade do metal com a acessibilidade do pop segue sendo o principal ingrediente do Ghost. Estão aqui os riffs bem feitos, os andamentos cheios de ritmo, sempre acompanhados por melodias quase celestiais, na melhor escola dos Beach Boys de Brian Wilson, por mais estranha que essa afirmação possa parecer. Todas as faixas contém espaços para cada um dos instrumentos assumirem o protagonismo, fazendo com que os arranjos respirem, alternando climas e momentos distintos.

Meliora é mais um acerto do Ghost. Os suecos demonstram outra vez a capacidade que possuem, evoluindo sua música e caminhando a passos largos para um mundo apenas seu. A banda tem personalidade e ousadia, algo raro na música atual. Que sigam assim.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Emicida - Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa (2015)

11:52

Após a boa recepção ao seu álbum de estreia, O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui (2013), Emicida retorna inspirado em seu segundo disco, Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa. O rapper soa mais maduro e com uma musicalidade ainda mais ampla, explorando uma gama maior de influências e inserindo em seu caldeirão sonoro novos ingredientes. As letras mantém a onipresente crítica social, na maior parte das vezes de uma maneira agressiva e bastante direta. Em uma comparação rápida com a obra do chapa Criolo, o outro principal nome do atual hip-hop brasileiro, o discurso de Emicida soa mais raivoso e menos irônico e ácido do que o do autor de Convoque Seu Buda, em um contraste que soa complementar ao mostrar as possibilidades de caminhos distintos para transmitir uma mensagem semelhante.

Emicida surpreende ao iniciar Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa não com um possível single, mas com uma canção calma e contemplativa, onde olha para o passado e homenageia Dona Jacira, sua mãe. Intitulada “Mãe”, a faixa é de uma beleza tocante, principalmente o trecho final, onde a própria mãe do artista recorda as memórias e sentimentos de quando menino nasceu. Uma das mais belas composições de Emicida, é um início de arrepiar para um disco que só cresce em seu decorrer.

Não conseguindo errar, Emicida mantém a qualidade no alto em um desfile consistente de faixas. “8" derrama groove e embala uma letra inspirada, enquanto “Casa" utiliza vozes infantis em um refrão que arrepia até a alma. Os pequenos interlúdios, como as belas “Amoras" e “Sodade”, funcionam como paradas estratégias que apresentam novos capítulos do álbum. 

Bebendo na fonte eterna de Jorge Ben, “Mufete" é uma das melhores do disco, com um embalo que é puro samba rock. “Baiana" vem a seguir e traz uma desnecessária participação de Caetano Veloso, que pouco aparece na canção. Vanessa da Mata bate ponto na meiga “Passarinhos”, talvez a canção menos inspirada do trabalho, ao lado de “Baiana”. 

A parte final do play conta com uma desfile de composições de fortíssimo questionamento social, retratando a ebulição que vivemos no Brasil, cada vez mais dividido, cada vez mais perdido em discussões políticas que apenas disfarçam a troca do seis por meia dúzia. A pesada “Boa Esperança” é puro brilhantismo, seguida pelo indignado discurso do escritor pernambucano Marcelino Freire em “Trabalhadores do Brasil”, que retrata o cotidiano dos negros a partir de diversas perspectivas. Uma introdução perfeita para a longa “Mandume”, a principal faixa do Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa, onde Emicida divide os vocais com Drika Barbosa, Amiri, Rico Dasalam, Muzzike e Raphão Alaafin em mais de oito minutos que funcionam como um manifesto inteligente e repleto de autenticidade que retrata o preconceito racial de uma maneira ao mesmo tempo inspirada e triste, tornando impossível não questionar, afinal, porque um país como o Brasil, que tem a miscigenação incrustada de maneira profunda em sua história, não consegue olhar para o próprio umbigo e entregar oportunidades iguais para todos os seus filhos.

O samba rock retorna à ordem do dia em “Salve Black”, que encerra o disco com alto astral e transbordando a esperança e o sonho de viver em um país melhor, cada vez mais.

Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa é um disco mais maduro e consistente que O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui, que já era muito bom. Em seu novo álbum, Emicida solidifica a sua posição no atual cenário brasileiro, funcionando como catalisador dos anseios, sonhos e questionamentos de uma enorme parcela da população brasileira. A crescente popularidade do músico só torna ainda mais forte os porquês levantados pelo rapper, levando as suas perguntas a um número ainda maior de pessoas - ainda bem, por sinal.

Um disco necessário, e que retrata com grande destreza o momento que vivemos. 

Até agora, o grande álbum brasileiro de 2015.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Maglore - III (2015)

11:08

Na ativa desde 2009, o Maglore foi formado em Salvador e já lançou três discos. O mais recente, III, saiu em junho e marca um novo capítulo para a banda, com a chegada do baixista e vocalista Rodrigo Damati - completam o trio Teago Oliveira (vocal e guitarra) e Felipe Dieder (bateria). 

Diferente dos álbuns anteriores - Veroz (2011) e Vamos pra Rua (2013) -, o que ouvimos em III é uma sonoridade mais refinada, construída a partir de melodias criativas e caminhando, sempre, entre o rock e a MPB. O formato power trio deixou a música do Maglore um pouco mais direta, simplificando-a no melhor dos sentidos, e, assim, atiçando todos os sentidos de quem coloca os ouvidos em seu novo disco.

A produção de Rafael Ramos (que já assinou trabalhos para nomes como Los Hermanos, Titãs, Cachorro Grande, Black Alien, Pitty e um monte de gente) é certeira, explorando com habilidade o evidente potencial da banda. A música do Maglore está mais acessível neste terceiro disco, mais potável para uma parcela muito maior do público. Isso é facilmente perceptível em pequenas jóias pop como “O Sol Chegou”, “Ai Ai”, "Vampiro da Rua XV" (com ecos de Raul Seixas) e, principalmente, na dobradinha formada por “Mantra" e “Dança Diferente”. Redondo e macio, o som dos baianos desce que é uma beleza, ensolarando os dias e alegrando todos ao redor.

Com onze faixas espalhadas em quase 40 minutos, III é um trabalho muito conciso e forte, que chega chegando e coloca o Maglore, cada vez mais e de maneira merecida, em um posto de destaque na atual música brasileira.

Satisfação garantida, sem medo!

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Banda Gentileza - Nem Vamos Tocar Nesse Assunto (2015)

11:48

Após seis anos, a Banda Gentileza retorna com um novo disco que deve cair nas graças de todos que baterem os ouvidos no trabalho. Nem Vamos Tocar Nesse Assunto foi lançado no início de julho e traz o grupo inspirado e afiadíssimo - nome aos bois: Heitor Humberto (vocal, guitarra, violão e violino), Jota Borgonhoni (guitarra, viola caipira, piano e teclado), Diego Perin (baixo) e Bruno Castilho (bateria).

Unindo letras bem humoradas e inteligentes, que não apelam para rimas fáceis e buscam sair do lugar comum, o grupo aborda temas do cotidiano com uma bem-vinda e certeira dose de acidez. Tendo como base o bom e velho rock and roll, os curitibanos carregam o ouvinte através de riffs criativos, arranjos bem feitos e o uso de coros que enfatizam o clima meio mambembe de sua proposta criativa.

A mixagem realça a crueza dos timbres, adicionando uma bem-vinda dose de agressividade às composições. O uso de metais e a absoluta tranquilidade e destreza com que a banda transita por outros gêneros - a abertura com ecos de Tangos & Tragédias da ótima “Eu Sempre Quis”, o hard de “Pesadelo”, a batida que une o samba ao rock em “Casa”, o reggae de “Por Onde Anda”  e a doce sutileza de “Tudo Teu” - faz com que cada faixa seja sempre uma agradável surpresa, revelando uma saudável pluralidade na musicalidade do quarteto.

Com uma absoluta falta de cerimônia em relação aos clichês e mandamentos do rock - ignorando-os por completo -, a Banda Gentileza explora de maneira criativa as infinitas possibilidades do gênero, entregando um disco agradável, pesado e dançante. E ainda possui a sabedoria e a maturidade de usar o bom humor na dose certa, fazendo o artifício nunca soar sem propósito ou exagerado.

Nem Vamos Tocar Nesse Assunto é um álbum maduro, que proporciona uma audição agradável e repleta de satisfação. A única queixa que fica é, na verdade, um simples e sincero pedido: não demorem 6 anos pra lançar o próximo álbum, por favor!

Encerrando: o nome da banda pode gerar uma impressão errada, levando o leitor a pensar que trata-se de algo suave e contemplativo. Nada disso: é rock, e dos bons!

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Divertida Mente (2015)

15:48

A pequenina Boo invade o mundo dos sonhos e revela toda a doçura, medos e alegria dos monstros que amedrontam os pesadelos infantis. E assim a gente assistiu Monstros S/A, a obra-prima lançada pela Pixar em 2001. 

Carl conhece Ellie, e juntos vivem uma linda história de amor. A sequência embaixo da árvore, onde revelam seus sentimentos e vêem a vida passar, culminando com seguidas tentativas fracassadas de ter filhos, é uma das mais sentimentais do cinema. Tá tudo lá, em Up - Altas Aventuras.

Estes eram os meus dois filmes preferidos da Pixar até hoje. Também gostei muito de Procurando Nemo, Os Incríveis, Carros, Ratatouille e o magnífico Toy Story 3 e sua fábula sobre o fim da infância, mas tanto Monstros S/A quando Up estão acima destes outros, pra mim.

Mas eles acabam de ganhar companhia. Divertida Mente (Inside Out, no título original) é facilmente um dos melhores trabalhos de toda a história da Pixar. Um filme belíssimo, que retrata com sensibilidade e feeling o mar de emoções que é a vida de uma menina pré-adolescente de 11 anos, Riley Anderson, filha única, que acaba de se mudar com sua família para uma nova cidade, uma nova escola, com novos amigos.

A ideia por trás de Divertida Mente é simples e sensacional. No roteiro, a mente humana é controlada por cinco emoções: alegria, tristeza, medo, raiva e nojo. São elas as responsáveis por guiar cada um de nós pelas experiências que a vida nos revela, reagindo de acordo com cada situação e gerando as memórias marcantes que irão moldar a personalidade de cada indivíduo. A turma é liderada por Alegria, sempre cheia de energia e uma líder nata. Mas, então, acontece algo que leva Alegria e Tristeza para fora da central de controle que faz com que Riley reaja ao mundo, e ela passa a ser guida apenas pelo Medo, pela Raiva e pelo Nojo. Enquanto isso, Alegria e Tristeza partem em uma jornada pelos confins da mente da menina, encontrando o Trem do Pensamento, a Produção de Sonhos, a Ilha da Imaginação, o Subconsciente e tudo mais.

O que temos em Divertida Mente é um roteiro profundo e inteligente, que usa o aspecto lúdico para retratar um assunto pra lá de complexo e complicado: a depressão. No caso, a depressão pré-adolescente, quando, em pleno processo de formação de sua personalidade, Riley é retirada de seu mundo e vai com os pais para uma nova cidade, com gente estranha por todos os lados. Ela se sente sozinha, desamparada, e não tem mais a Alegria para lhe dar esperança, e sim apenas as decisões tomada pelo trio Raiva, Medo e Nojo.

É um filme belíssimo, com diálogos inspirados e uma conclusão que transborda feeling, onde entendemos a importância e o papel de cada uma das cinco emoções básicas que controlam a nossa personalidade.

Divertida Mente é um dos melhores filmes da Pixar, com certeza, e é também a sua obra mais sensível e tocante.

Carl e Boo ganharam uma nova campanhia. Tenha 11, 20, 30 ou 40 anos, você vai gostar de Riley.


segunda-feira, 15 de junho de 2015

Batman: A Corte das Corujas

17:08

O mercado de quadrinhos sofre de um problema que vai e vem de tempos em tempos: a formação de novos leitores, o encantamento de novos fãs e a consequente queda nas vendas. Com décadas de uma cronologia desenvolvida em tramas complicadas e complexas, uma revista de qualquer super-herói não atrai, de cara, os jovens leitores. Não é simples: não basta chegar e ler. É preciso mergulhar em um emaranhado de personagens, autores, desenhistas, mortes, ressurreições e tudo mais. E isso, para quem está começando a ler HQs na pré-adolescência, não é tarefa das mais fáceis.

Lembro que os quadrinhos me conquistaram aos 12, 13 anos. A grande responsável por isso foi a edição número 7 da finada revista Grandes Heróis Marvel, que trazia a saga da morte de Fênix ilustrada com uma imagem de Ciclope segurando Jean Grey nos braços. Aquela história escrita por Chris Claremont e desenhada por John Byrne abriu as portas do fantástico universo dos quadrinhos para mim, e foi o passo decisivo para eu entrar em um mundo repleto de fantasia e aventuras inesquecíveis. A partir de GHM#7, foi só alegria e uma ebulição de descobertas, que com o passar dos anos se mostraram essenciais na minha formação como leitor.

Além dos X-Men, que sempre foram os meus personagens favoritos na Marvel (nunca tive paciência para as infindáveis sagas dos Vingadores e do Capitão América, pra falar a verdade), na distinta concorrência fui atraído pela realidade sombria de Gotham e seu guardião, o Batman. Superman sempre me pareceu correto demais, assim como o Capitão América, enquanto o Batman traz consigo um perigo real e um sentimento doentio, quase um psicopata fantasiado, revelando-se muito mais atraente e convincente do que um homem voador vestindo cueca por cima da calça.

Tanto X-Men quanto Batman possuem uma cronologia gigantesca, que exige dos leitores um conhecimento imenso da história de cada personagem, algo que pouquíssimas pessoas possuem e estão dispostas a adquirir. Dentro dessa realidade de mercado, onde é preciso conquistar constantemente novos leitores, tanto a Marvel quanto a DC encontraram a solução em reboots periódicos, onde reiniciam seus universos esporadicamente, apresentando-os para uma nova geração de fãs. A excelente Ultimate Marvel era, até agora, o grande e principal exemplo dessa mentalidade, com toda uma série de revistas lançadas durante os anos 2000 em que os principais personagens da editora tiveram suas histórias recontadas para um público mais jovem, agregando elementos do mundo atual e tornando-os muito mais próximos do público a quem eram destinados. 

A DC, que volta e meia publica as suas infindáveis “Crises" (Crise nas Infinitas Terras, Crise Infinita, Crise de Identidade e mais um sem número de equivalentes), em 2011 deu um reboot em seus personagens, batizando este novo momento como Os Novos 52. Neste processo, diversos escritores e ilustradores consagrados foram contratados para reimaginar a mitologia de personagens consagrados como Batman, Superman, Flash, Lanterna Verde, Arqueiro Verde e toda a turma. Não acompanhei as edições mensais, e só agora, quatro anos depois de a série começar a ser publicada nos Estados Unidos, dei mais esse passo pra dentro da DC.

Como já disse, Batman é um dos meus personagens preferidos, então foi através de Bruce Wayne e companhia que dei o meu primeiro mergulho no universo de Os Novos 52. A Panini, responsável pela publicação tanto da DC quanto da Marvel aqui no Brasil, colocou no mercado alguns encadernados compilando o primeiro arco de histórias de Os Novos 52, cobrindo personagens como Superman, Flash e Aquaman. Sobre o Batman, foram lançados dois: A Corte das Corujas e Corporação Batman. O primeiro foi escrito por Scott Snyder e ilustrado por Greg Capullo, e o segundo é uma criação de Grant Morrison e desenhada por nomes como Yanick Paquette, Scott Clark, Cameron Stewart e Chris Burnham.


Vamos falar do primeiro destes encadernados. A Corte das Corujas é um volume de luxo, com capa dura, papel couché brilho de alta qualidade e 176 páginas. A edição compila os números 1 a 7 da revista Batman, publicada nos EUA em 2012. A trama conta a história da Corte das Corujas, sociedade secreta formada pelas famílias mais poderosas de Gotham, que controla a cidade de maneira silenciosa há décadas. Até que um certo Batman surge pelo caminho. O enredo de Snyder é muito bem escrito e prende o leitor, sendo direto ao ponto e sem gorduras extras. Ela não dá voltas, não fica enrolando, e isso torna a leitura mais agradável e interessante. O processo se completa com a bela arte de Capullo (pra quem não sabe, o cara por trás das ilustrações das HQs do Spawn, de Todd McFarlane). A história apresenta a grande maioria dos personagens do universo de Batman em novas encarnações, mas não tão diferentes das clássicas interpretações que ficaram conhecias em todo o mundo (não há uma transformação radical como a que ocorreu na série Ultimate da Marvel, por exemplo). Bruce Wayne encarna um Batman que faz uso de diversos apetrechos tecnológicos, enquanto Dick Grayson, o Robin original, convive com outros dois Robins simultaneamente - Tim Drake e Damian Wayne, este último filho de Bruce. O Comissário James Gordon é um cara mais novo que a figura clássica, e coadjuvantes como Batgirl e a Mulher-Gato também batem ponto. Entre os vilões, que aparecem somente de maneira rápida no início da trama, vemos ilustrações mais realistas e menos fantasiosas das figuras de Pinguim, Duas-Caras, Senhor Frio, Crocodilo, Espantalho e outros. O Coringa também surge de relance. O fato é que, ao menos neste primeiro volume, o antagonismo se dá através da Corte das Corujas personificada em seu soldado, Garra, deixando os vilões clássicos em segundo plano.

A Corte das Corujas traz um trama muito bem desenvolvida e enxuta, que mesmo não chegando a sua conclusão ao final do encadernado, cumpre com perfeição o objetivo de renovar o universo do Batman. Fazia muito tempo que não lia algo tão bom explorando o Homem Morcego, e fiquei muito satisfeito e com um gostinho de quero mais ao final deste primeiro volume.


Com ele, já sei que, ao menos no que diz respeito ao Batman, Os Novos 52 valem muito a pena.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Paradise Lost - The Plague Within (2015)

15:26

Há mais de 25 anos na estrada, a banda inglesa Paradise Lost já atravessou diversas fases em sua carreira. Nos primeiros anos, foi fundamental para o surgimento, evolução e popularização do gothic metal, gravando clássicos indiscutíveis como Shades of God (1992), Icon (1993) e Draconian Times (1995). Depois, passou por um período onde explorou novas influências, incorporando elementos eletrônicos e de synthpop, notadamente em Host (1999). E então, usou a experiência para equilibrar a sonoridade clássica com o desejo de experimentação e renovou a sua música fazendo-a soar revigorada e alinhada à atualidade em trabalhos como In Requiem (2007), Faith Divide Us - Death Unites Us (2009) e Tragic Idol (2012).

The Plague Within, lançado no início de junho, é o décimo-quarto álbum do Paradise Lost é mantém a ótima fase vivida pela banda nos últimos anos. Produzido por Jaime Gomez Arellano, traz o quinteto formado por Nick Holmes (vocal), Greg Mackintosh (guitarra), Aaron Aedy (guitarra), Steve Edmondson (baixo) e Adrian Erlandsson (bateria) em dez faixas inéditas que mostram que os ingleses dominam plenamente a música que executam. A banda sabe exatamente onde encaixar os riffs, quanto alternar os ritmos, o momento certo para mudar a dinâmica de cada faixa. O domínio que o Paradise Lost demonstra sobre a sua arte em The Plague Within, além de transmitir uma segurança absurda, mostra que a banda atingiu definitivamente a maturidade.

Variando entre faixas mais lentas e que retomam a herança doom do início da carreira e outras onde o ritmo é mais acelerado e agressivo, o grupo construiu um disco muito interessante, com cada faixa apresentando caminhos ao mesmo tempo distintos, mas que soam interligados no conjunto da obra. A força de The Plague Within está na soma das dez faixas que compõe o álbum, e não focada em apenas algumas composições. Ainda que canções como “No Hope in Sight”, "Terminal”, “Punishment Through Time” e “Beneath Broken Earth” se destaquem em um primeiro momento, as audições contínuas revelam um trabalho coeso e dono de uma força descomunal.

Soando com uma espécie de cruzamento entre o Celtic Frost e o The Sisters of Mercy, The Plague Within é um dos grandes discos da carreira do Paradise Lost, e, muito provavelmente, o trabalho mais forte dos ingleses desde o clássico Draconian Times. É a banda retomando e renovando a sua identidade, e mostrando que ainda tem muito a dar ao fãs do rock repleto de peso. 

Indicadíssimo!

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Nightwish - Endless Forms Most Beautiful (2015)

15:44

Oitavo álbum do Nightwish, Endless Forms Most Beautiful marca o início de um novo capítulo na carreira da banda finlandesa. E esse capítulo tem nome: Floor Jansen. No grupo desde 2012, a holandesa substituiu Anette Olzon, que, por sua vez, entrou no lugar de Tarja Turunen. Aclamada e elogiada em seus trabalhos anteriores no After Forever (mais) e no ReVamp (nem tanto), Floor encara o maior desafio de sua carreira ao assumir papel de destaque no Nightwish.

Os motivos para isso são muitos. De cara, trata-se de uma banda com uma proporção muito maior que suas experiências anteriores. Quando lançou Once, em 2004, o Nightwish estourou a boca do balão e se transformou na bola da vez, extrapolando o público do metal e ganhando novos fãs em uma popularidade ascendente. Puxado pelo single “Nemo”, o disco vendeu pra caramba em todo o mundo e teve seus vídeos executados à exaustão. Quando parecia que os finlandeses iriam mudar de patamar, veio a bomba: desentendimentos levaram à saída de Tarja, e a coisa ficou em stand-by por um longo tempo.

Três anos, pra ser mais exato. Esse foi o tempo que a banda liderada pelo tecladista Tuomas Holopainen levou para montar novamente seu quebra-cabeça com a chegada de Anette e o lançamento de Dark Passion Play (2007), disco que trouxe uma sonoridade bem mais pop e não foi muito bem recebido. Mais quatro anos se passaram e o Nightwish entrou no eixo novamente com o excepcional Imaginareum (2011), um trabalho pra lá de complexo envolvendo todo um projeto audiovisual e com composições repletas de detalhes. Um disco muito acima da média, e que ocupou de imediato um lugar de destaque no catálogo da banda.

Pra então tudo mudar novamente com a saída (ou demissão, sei lá) de Anette Olzon em meio a uma turnê e a surpreendente e saudada chegada de Floor Jansen. Estreando a nova formação, o Nightwish retomou o melhor de seus dois períodos anteriores graças à imensa versatilidade de Jansen, enchendo os fãs de expectativa quanto a um possível novo disco com a holandesa nos vocais.




E ele veio, finalmente. Endless Forms Most Beautiful é tão pretencioso e megalomaníaco quanto Imaginareum, porém um pouco mas agressivo e pesado que o álbum anterior. Temático, o disco traz onze canções com letras inspiradas nos livros do biólogo britânico Richard Dawkins, conhecido pelo seu discurso evolucionista e ateu. Tuomas faz de Endless Forms Most Beautiful - título tirado de uma frase do clássico A Origem das Espécies, do naturalista Charles Darwin - um tratado sonoro em defesa da Teoria da Evolução, alcançando um resultado consistente, belo e, mais uma vez, excelente.

As canções caminham pelas diversas características do DNA sonoro do Nightwish, variando entre faixas mais pop, outras mais pesadas e também aquelas mais complexas e cheias de movimentos e dinâmicas, com estruturas e arranjos que variam do progressivo ao clássico e evoluem em canções impressionantes - o caso mais notório está na última faixa do disco, “The Greatest Show On Earth”, uma obra-prima com mais de 20 minutos de duração.

Dosando com equilíbrio os principais elementos dos dois capítulos anteriores de sua trajetória - os vocais operísticos de Tarja e o contagiante apelo pop do período com Anette -, o Nightwish deu a Floor Jansen a oportunidade de gravar o trabalho mais completo de sua carreira, onde fica claro o quão acertada foi a sua escolha para o posto. Transitando com grande naturalidade entre estes dois extremos, Floor tanto pode soar chiclete e acessível em uma canção como “Élan" quanto pode deixar todo mundo com o queixo no chão ao incorporar uma espécie de soprano para as grandes massas cabeludas, como acontece na já mencionada “The Greatest Show On Earth”. E, no meio disso tudo, ainda mostra toda a delicadeza e sutileza de sua voz em canções como a balada “Our Decades in the Sun”, por exemplo.

Mantendo os elementos étnicos e de world music que sempre estiveram presentes em seus discos, o Nightwish tem outra estreia em Endless Forms Most Beautiful: o multi-instrumentista Troy Donockley, que traz para o jogo sopros, gaitas e outros instrumentos não muito comuns ao rock, enriquecendo a musicalidade e contribuindo decisivamente para o resultado final.

Esbanjando bom gosto e criatividade, soando inventivo e sem medo de experimentar e explorando um tema que é um tabu para uma parcela de seus próprios ouvintes - a visão de Dawkins e a Teoria da Evolução -, o Nightwish prova mais uma vez que o que sempre está em primeiríssimo lugar para a banda é a sua liberdade e visão artística. E é justamente esse ar destemido, esse desejo constante de sair do comum e entregar um trabalho diferenciado, que faz do sexteto liderado por Tuomas Holopainen um ponto totalmente fora da curva quando falamos de rock e heavy metal.

Excelente em todos os níveis, Endless Forms Most Beautiful é um disco único e belíssimo, que não fica devendo nada ao que o Nightwish já gravou e, sobretudo, aponta para um futuro onde as possibilidades são excitantes e infinitas. Com ele, a banda mostra que aprendeu um dos grandes ensinamentos de Darwin: a sobrevivência dos mais fortes. E os finlandeses estão, definitivamente, nesse grupo, prontos para liderar os seus seguidores.



terça-feira, 9 de junho de 2015

Helloween - My God-Given Right (2015)

12:04

Com 30 anos de carreira e discos clássicos no currículo, incluindo no pacote a criação e desenvolvimento de todo um estilo musical - no caso, o power metal -, o Helloween chega ao seu décimo-quinto álbum com My God-Given Right. Lançado em 29 de maio, o disco tem produção de Charlie Bauerfeind, parceiro de longa data dos alemães, e sucede o bom Straight Out of Hell (2013).

A questão é que o quinteto liderado pelo guitarrista Michael Weikath já viveu o seu auge e hoje está na prorrogação de sua carreira. Ainda que bem executado e bem produzido, My God-Given Right não apenas não traz nada de novo (e tá, eu entendo os fãs que não querem ouvir as suas bandas preferidas inovando, ainda mais em um gênero com admiradores tão conservadores quanto o heavy metal) como também não coloca nada de relevante na mesa. É o Helloween de sempre, alternando canções mais alegres com outras mais pesadas, tendo sempre a voz de Andi Deris como destaque principal. Mais do mesmo, seguindo o que o grupo tem feito desde 2003, com Rabbit Don’t Come Easy.

A banda inovadora de outrora, que apresentou o seu último, revigorante e impressionante documento criativo no distante ano 2000 com o excelente The Dark Ride, não existe mais. O que temos hoje em dia são cinco músicos rodados e experientes, que conhecem na palma das mãos os gostos de seus fãs e trabalham em função disso. Em um mercado onde a venda de discos não possui mais a importância que tinha e a fonte de receitas migrou para a venda de ingressos e merchandising, o Helloween trabalha apenas para tornar a marca da banda presente na mídia, entregando de tempos em tempos um novo disco para matar a fome de sua enorme legião de fãs espalhada pelo mundo. Uma estratégia válida e que até pode ser questionada, mas que inegavelmente funciona, vide o burburinho que My God-Given Right vem fazendo na mídia especializada europeia e brasileira, os principais mercados dos alemães.

E tome canções com melodias levadas pelas guitarras, que desembocam em refrãos também repletos de melodia, deixando tudo pasteurizado e com cara de que já foi feito milhares de vezes antes - e realmente foi, e pelo próprio Helloween. E, claro, há também os trechos instrumentais na parte central das composições, onde o andamento acelera e a dupla de guitarras formada por Weikath e Sascha Gerstner executa melodias gêmeas.

Se tudo isso não fosse suficiente, há um agravante: o disco é muito longo, o que torna a audição cansativa. Com canções muito semelhantes entre si, a sensação é de que estamos ouvindo uma suíte enorme com mais de uma hora e dez minutos de duração. 

No final, o resultado é um disco genérico e que não acrescenta nada à trajetória da banda alemã, com faixas que se aproximam de maneira violenta do pop - casos de “Heroes”, “Battle's Won” e “Lost in America” - e trazem melodias, linhas vocais e arranjos que beiram o constrangimento - ouça “If God Loves Rock ’n' Roll” e entenda o que estou dizendo.

Muito pouco para uma banda que gravou não apenas dois dos álbuns mais aclamados do metal dos anos 1980 - os dois Keepers, é claro - mas que, sobretudo, soube se reinventar e redescobrir a sua música durante os anos 1990 com discos ótimos como Master of the Rings (1994), The Time of the Oath (1996) e Better Than Raw (1998).

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Lucifer - Lucifer I (2015)

15:53

A poeira do occult rock já baixou. E, passada a explosão de bandas explorando o gênero, ficaram apenas aquelas que se destacaram por possuir inegáveis qualidades. Tendo o Ghost como principal nome, toda a cena vive um momento de consolidação, deixando o inchaço de lado e voltando para a sua realidade. Mas, para alegria dos apreciadores desse som que bebe no passado e tem como principal característica o uso quase obsceno de melodias cativantes como pano de fundo para um discurso que explora temos sombrios e controversos, novos nomes continuam surgindo.

Um deles é o Lucifer, batizado simplesmente com uma das mais conhecidas alcunhas do cramunhão. A banda alemã foi formada em 2014 e tem Johanna Sadonis ,ex-The Oath, à frente. Ao lado da moça estão o guitarrista Garry Jennings (Cathedral, Death Penalty), Dino Gollnick (baixo) e Andrew Prestridge (bateria).

Após disponibilizar no início do ano um single com as faixas “Anubis" e “Morning Star”, o quarteto acaba de lançar o seu primeiro álbum, intitulado solenemente como Lucifer I. A Rise Above, gravadora que revelou ao mundo o Ghost, está por trás do lançamento, não por acaso. O disco traz oito faixas com aquele clima empoeirado e vintage, influenciadas, segundo a própria banda, por lendas como Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple e Blue Öyster Cult. É um hard às vezes mais metal, e em outros momentos um metal que se confunde com o hard. Riffs em profusão, melodias onipresentes e a poderosa voz de Johanna em primeiro plano, sempre. 

Nada muito original, mas agradável aos ouvidos, ainda que o álbum soe um tanto cansativo, apesar da curta duração - 43 minutos. Talvez isso se dê pela pouco variação entre as músicas, que na maioria das vezes seguem o mesmo caminho. As exceções acabam sendo os melhores momentos, como “Abracadabra”, “Purple Pyramid”, “Sabbath" e “A Grave for Each One of Us”.

O resultado final é um disco razoável, que mostra que a banda possui potencial, porém precisa afinar mais as suas qualidades nos próximos trabalhos se quiser alçar vôos mais altos.

Nemo: Coração de Gelo, de Alan Moore e Kevin O'Neill

11:42

Escrita em 2013, Nemo: Coração de Gelo marco o retorno de Alan Moore a uma de suas mais fascinantes criações: o universo da Liga Extraordinária. Mais uma vez ao lado do desenhista Kevin O’Neill, o escritor inglês conta uma história passada em 1925 e focada em Janni Dakkar, filha do Capitão Nemo. Sedenta em superar os feitos do pai, Janni embarca em uma viagem até a Antártida, onde, além do frio congelante e criaturas esquisitas, enfrenta também adversários pelo caminho.

A edição brasileira foi publicada pela Devir e segue o alto padrão gráfico tradicional da editora. Com capa dura e 64 páginas, Nemo: Coração de Gelo tem uma acabamento de primeira, que ressalta a bela arte pontiaguda e repleta de detalhes de O’Neill. De encher os olhos. 

Mas, infelizmente, a riqueza visual acaba não sendo suficiente para amparar a confusa trama escrita por Moore. Em uma história repleta de diálogos que, ao invés de se entrelaçar com a mitologia da própria saga, apenas embaralham a mente do leitor, Alan desliza mais uma vez, não conseguindo prender o leitor em uma história que, utilizando o velho clichê, vai do nada para lugar nenhum. Mantendo a descendente apresentada nos dois volumes anteriores da série, dedicadas aos anos de 1969 e 2009, o escritor voa para (bem) longe do envolvente e criativo enredo apresentado nos dois primeiros volumes de A Liga Extraordinária (que estão, de maneira justa, entre as suas maiores e melhores criações). O que é uma pena, pois a criatividade de Moore era o principal atrativo que levou a série a ser aclamada mundo afora.

Nemo: Coração de Gelo, no entanto, parece mais um exercício voltado para o próprio autor, com páginas e páginas (todas lindas, como já frisado) de textos onde não se consegue pinçar nada de interessante e que ao menos se aproxime do passado da saga e da própria obra de Alan Moore, repleta de clássicos dos quadrinhos.

Infelizmente, indicada apenas para colecionadores e fãs completistas do autor inglês.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Fábulas #20: Camelot, de Bill Willingham e Mark Buckingham

12:00

O vigésimo encadernado de Fábulas lançado pela Panini marca uma transformação na série criada por Bill Willingham: um de seus protagonistas está (aparentemente?) morto, enquanto os sobreviventes clamam por vingança. A família lobo enfrenta uma transformação sem precedentes, com Inverno assumindo o posto de Vento Norte e Tereza retornando de uma traumática experiência na Brinquedolândia - de onde seu irmão Dare não retornou. Enquanto isso, Branca de Neve tenta, literalmente, juntar os cacos.

Para enfrentar tudo isso, Rosa Vermelha, irmã de Branca de Neve e líder da Fazenda (local onde vivem as fábulas que não possuem aparência humana) resolve criar um novo Camelot, despachando emissários para vários mundos em busca de candidatos para a sua Távola Redonda. E assim uma nova jornada começa.

Willingham segue criando roteiros criativos, explorando as possibilidades dos vários personagens da trama e inserindo novos nomes à sua história. E tudo isso construído com diálogos inteligentes, que destoam do comum. A arte de Mark Buckingham segue o mesmo nível elevado, com ilustrações complexas e cheias de detalhes, além das já tradicionais molduras no fundo das páginas, que tornam o resultado ainda mais atraente, de encher os olhos. 

Com 260 páginas e papel couché brilhante, Fábulas #20 segue o padrão editorial das edições anteriores e agradará em cheio quem acompanha a série. Deixando a história solta em seu final, sem revelar o aguardado destino de seus principais protagonistas, Bill Willingham entrega uma edição de transição, responsável por aumentar ainda mais a expectativa pelos próximos capítulos de sua aclamada criação.

As edições da Panini estão chegando ao final da série, com a cronologia apresentando as edições 130 a 140 neste volume. Como a séria original acabou no número 150 lá fora, provavelmente teremos apenas mais um volume nas bancas. Independente disso, a certeza que fica é que trata-se de uma das melhores HQs disponíveis no mercado. Caso ainda não tenha lido, já passou da hora de mergulhar neste universo fantástico.


quarta-feira, 3 de junho de 2015

Hot Girls Wanted (2015)

13:04

O egocentrismo digital, a cultura do selfie e o mundo ao redor do umbigo são algumas das principais características do mundo atual. Mais do que ser, é preciso parecer ser. Mais do que aproveitar um lugar, é preciso mostrar que esteve lá. Todos esses aspectos levaram a uma espécie de humanização às avessas, e refletem em diversos meios. A publicidade mais e mais mostra marcas que querem se aproximar de seus consumidores retratando situações de suas vidas. O cinema, as séries de TV, exploram a estética dos filmes feitos pelos próprios espectadores como recurso para conquistá-los. O YouTube está repleto de canais produzidos por pessoas como eu e você, e que não ficam devendo praticamente nada ao que chega das grandes emissoras - criativamente, muitos estão milhas à frente.

E é claro que todo esse universo construído em torno do individualismo chegaria à principal paixão proibida do ser humano: a pornografia. Os sites especializados no tema estão repletos de vídeos “caseiros” que mostram o cotidiano de jovens retratados de forma “espontânea”, buscando no dia a dia dessas pessoas uma suposta autenticidade para intensificar o prazer de assistir outras pessoas fazendo sexo. É justamente esse cenário que o documentário Hot Girls Wanted retrata. Lançado no início do ano no Sundance Film Festival, o fime dirigido pela dupla Jill Bauer e Ronna Gradus acompanha a vida de jovens desconhecidas que decidem se aventurar pela pornografia, em vídeos classificados como pro amateur, com toda uma produção profissional trabalhando para alcançar cenas com a estética amadora e de acordo com a cultura selfie.

O documentário apresenta uma série de jovens norte-americanas, e conta a história de cada uma delas. Há a garota que quer sair do interior em busca de grana em uma cidade maior. Há a menina que está curtindo tudo e adora a liberdade que conseguiu. Há a loirinha bonitinha que só transa quando está filmando, e acha estranho fazer o mesmo quando não está na frente das câmeras. São diversas situações peculiares, algumas estranhas, e que mostram o quão complexas são as questões sexuais para cada indivíduo. Um dos aspectos que mais chama a atenção em Hot Girls Wanted é a vida extremamente curta destas garotas no cenário da pornografia. O tempo médio de uma jovem atriz neste universo varia de 4 a 6 meses, período em que filmam entre três e cinco vídeos por semana, recebendo entre 800 e 1.000 dólares por cena. O valor vai subindo conforme a disposição em interpretar temas mais pesados e controversos.

Bauer e Gradus mantém a mão leve durante quase toda a duração do filme, mas derrapam no sentimentalismo exagerado ao mostrar a família das jovens e a dúvida que cada uma delas tem em seguir ou não no mercado. Neste trecho do filme, o uso de trilhas sentimentais e closes nos rostos de mães, pais e filhas acaba passando um pouco do ponto, comprometendo o resultado final do filme. Uma abordagem menos previsível seria mais satisfatória.

Apesar disso, Hot Girls Wanted vale a pena. O documentário retrata com precisão os anseios e sonhos de uma geração de garotas dispostas a tudo para se tornarem conhecidas e famosas, acumulando mais e mais seguidores em suas redes sociais. Uma corrida fútil alimentada pelo próprio ego, e que é um dos principais combustíveis da indústria da pornografia.

O filme está disponível na Netflix.

Marcio Tucunduva - Tempestade (2015)

10:39

Terceiro disco de Marcio Tucunduva, Tempestade mantém o ótimo nível mostrado pelo vocalista e guitarrista em seu trabalho anterior, Antimoderno (2010). Novamente ao lado de Marcos Ottaviano (que assina a produção ao lado de Tucunduva, bem como todas as composições, além de tocar guitarra e baixo) - o trio fica completo com o baterista Humberto Zigler -, Tempestade apresenta o rock brasileiro em sua essência pura e cheia de orgulho.

Tucunduva une com talento as suas principais influências, e o resultado é um álbum efervescente. E quais são elas? Jimi Hendrix, Bob Dylan, John Lennon. Assim como Raul Seixas, figura central na trajetória musical de Marcio. O guitarrista morava ao lado de Raul e chegou a ter aulas de violão com o baiano quando era um mero adolescente, aos 13 anos.

O timbre sujo do disco, cortesia da dupla Chris Shaw (engenheiro de som dono de quatro Grammys e que já trabalhou com nomes como Dylan, Wilco e Derek Trucks) e Joe Palmaccio (também com o seu Grammy na estante e com experiência de trabalhos para artistas como Kiss, Eric Clapton e Alicia Keys), dá um clima empoeirado para o play, que, casado com as composições que exploram ritmos como blues, country e algumas reminiscências de gêneros regionais como baião, repente e afins, faz com que Tempestade soe com um agradável ar interioriano.

É um tipo de rock BR totalmente diferente do que chega a grande maioria dos ouvintes. Não há preocupação com que faixa será o single, qual irá fazer sucesso, qual irá cativar o maior número de apreciadores. O que Tucunduva e Ottaviano fazem é caminhar sobre suas influências, compondo canções cheias de personalidade, em um disco direto e compacto. Partindo do blues e indo até onde a imaginação é capaz de levar, a dupla gravou outra vez um excelente álbum, como já havia feito em Antimoderno.

Gostei muito de “Tempestade”, “Cachorro”, “Vendaval”, “Norte”, o blues “Trovão” e o ótimo encerramento com "Presa", todas faixas de qualidade inegável e que solidificam a reputação de Marcio Tucunduva. Correndo por fora e acreditando no seu trabalho, o guitarrista segue firme e forte em uma carreira que se mostra mais consistente a cada novo lançamento.

Audição pra lá de recomendada, mais uma vez!

quinta-feira, 28 de maio de 2015

The Atomic Bitchwax - Gravitron (2015)

15:40

Quando o hard rock surgiu na virada dos anos 1960 para 1970, ele era hard mesmo. O som de bandas como Led Zeppelin, Cactus, Uriah Heep, Cream, Deep Purple, Hendrix e outros pioneiros da pauleira era pesado, áspero, duro, cortante e penetrante. Não havia nada de sutil naqueles riffs, nada de delicado naqueles vocais, nada de discreto naquelas batidas. E foi justamente o contraste entre esse som novo e perturbador e a delicadeza, positivismo e sensibilidade do pop de então que fez com que o gênero se popularizasse, conquistando corações e mentes em profusão.

Porém, durante a década de 1980, o hard sofreu uma transformação e passou a soar mais adocicado. A cena norte-americana, que teve o seu epicentro em Los Angeles, deu ao mundo uma nova geração de bandas que aproximou o hard do pop ao mesmo tempo em que ostentava figurinos chocantes e de gosto duvidoso. Apresentando influências principalmente de Led Zeppelin e Aerosmith - pai e mãe do Guns N’ Roses -, nomes como Ratt, Mötley Crüe, Bon Jovi e outros, cada uma a sua maneira, colocou o seu tijolo na construção do que uns chamam de glam metal e outros preferem definir como hard farofa. E a partir de então, o termo hard rock passou a ter um significado dúbio, variando o seu entendimento conforme o gosto pessoal e a geração de cada indivíduo.

Mais recentemente, uma nova leva de bandas tem retomado os ensinamentos dos pioneiros dos anos 1970 e voltou a fazer o hard soar novamente direto, pesado e sem frescuras. É o caso dos grupos de stoner da década de 1990, e de nomes mais recentes como Graveyard, Rival Sons, Kadavar, Scorpion Child e afins. 

Os norte-americanos do The Atomic Bitchwax já são veteranos na estrada. A banda surgiu em Nova Jérsei em 1993, e desde então o trio lançou uma bela sequência de discos. O mais recente, Gravitron, saiu no final de abril e é, sem dúvida, um dos melhores trabalhos do grupo. Após um silêncio de quatro anos, a banda formada por Chris Kosnik (vocal e baixo), Finn Ryan (guitarra e vocal) e Bon Pantella (bateria) retornou com um trabalho furioso, que exala uma fumaça com cheiro suspeito.

Gravitron possui dez faixas espalhadas por pouco mais de meia hora de música. É energia pura, em uma atitude quase punk, que faz com que o hard dos caras soe urgente e agressivo, como deve ser. Não há espaço para enrolação. As canções são curtas - a mais longa não chega a cinco minutos - e vem com uma performance inspirada, com versos que desembocam em refrãos interessantes e nos onipresentes solos de guitarra. E, quando não sentem necessidade de colocar uma letra, os rapazes entregam faixas instrumentais mesmo, onde as palavras soam totalmente desnecessárias - casos de "Fuckface" e "War Claw", por exemplo.

É bom demais, e muitas vezes extremamente necessário, colocar os ouvidos em discos como esse. O mundo anda muito correto, muito certinho, muito coxinha, e é preciso sujar um pouco as coisas. O The Atomic Bitchwax foi feito na medida pra quem quer uma música onde o que mais importa, sempre e sem dúvida, é o peso, a pauleira, pura e simples. Se essa é a sua praia, está aí um dos grandes álbuns do ano.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Carro Bomba - Pragas Urbanas (2015)

11:30

Ouvindo Pragas Urbanas, quinto álbum do Carro Bomba, o assunto volta à mente e suscita uma reflexão: por que o heavy metal cantado em língua portuguesa não tem um alcance maior no Brasil? A questão é pertinente e alimenta uma necessária discussão. 

Se olharmos para o cenário do pop rock, o que mais vemos são bandas cantando em português e alcançando grande sucesso com essa escolha. A história do rock brasileiro é assim. São poucos os nomes nascidos em nosso país que se aventuraram pela língua inglesa. Quando o assunto vai para o heavy metal, gênero onde está inserido o Carro Bomba, a coisa muda de figura e é exatamente o inverso: a tradição é compor em inglês (mesmo que macarrônico) em busca do sonho do sucesso e reconhecimento internacional.

Se o público nacional de rock, de pop, já está condicionado a consumir música cantada em português, porque o público de metal também não está? Falta divulgação para nomes com qualidade reconhecida, como é o caso do Carro Bomba e inúmeros outros (coloque aí Baranga, Project 46, Uganga e até mesmo nomes um pouco mais leves como Tomada, Pedra e várias outras bandas)? Se quem consome rock tivesse conhecimento do trabalho dessas bandas, não as abraçaria entre as suas preferidas? Provavelmente, sim. Ou o público de metal aqui no Brasil é preconceituoso com quem canta em sua própria língua e acaba discriminando, mesmo que de maneira inconsciente, as bandas que seguem esse caminho? Falta profissionalismo para os artistas? Falta uma estrutura mais forte de promoção e divulgação? Falta interesse do mercado em promover esse tipo de música? Ou não falta nada? O papo é longo, as possibilidades são várias.

Produzido pela dupla Heros Trench e Marcello Pompeu, respectivamente guitarrista e vocalista do Korzus, Pragas Urbanas traz uma sonoridade suja, pesada e bastante grave, que soa atual e alinhada com o que se faz no metal mundo afora. O disco tem nove faixas, todas composições próprias, e marca a estreia do baixista Ricardo Schevano (também do Baranga), irmão do guitarrista Marcello Schevano. Completam o time o vocalista Rogério Fernandes e o baterista Heitor Schewchenco.

A influência de Black Sabbath, sempre presente na sonoridade do Carro Bomba, segue forte, mas não é mais a característica dominante. Com anos de estrada, a banda soube variar e acrescentar outros elementos em sua música, que ficou mais variada e ainda mais interessante. Uma das canções do disco, batizada como “Thrash n’Roll”, pode ser usada como exemplo para tentar definir o som do Carro Bomba, dando uma ideia do que o ouvinte encontrará no álbum.

A banda equilibra composições onde essa já citada influência do Sabbath predomina, como a ótima “Arrastando Correntes” (que, em um exercício hipotético, não soaria fora de lugar em 13, último disco lançado pela banda de Tony Iommi e Ozzy Osbourne) e o hard blues “Mojo”, com outras onde o groove come solto e tempera o som, deixando-o ainda mais forte, como é possível perceber em “Máquina”, “Fuga”, “Fantasma" e na faixa-título. Há de se destacar o excelente trabalho de composição, com riffs fortes e refrãos que grudam na cabeça.

Ao final de Pragas Urbanas, percebe-se que não é pela falta de qualidade que o metal cantado em português ainda segue sendo a exceção, o ponto fora da curva, na playlist dos fãs brasileiros. Nivelado por cima em todos os aspectos (produção, execução, composição), este novo trabalho do Carro Bomba não apenas consolida a banda paulista como um dos principais nomes atuais do gênero aqui no Brasil, como é uma boa porta de entrada para quem quiser conhecer mais não só do trabalho do quarteto, mas também de toda essa cena de bandas pesadas que decidiram cantar em nossa própria língua.

Por experiência própria, garanto que vale a pena!

terça-feira, 26 de maio de 2015

Kamelot - Haven (2015)

11:03

Uma mudança de vocalista pode mudar a história de uma banda. Pode puxá-la para cima e colocá-la em outro patamar, que foi o que ocorreu com o Deep Purple quando escolheu Ian Gillan para o posto de Rod Evans e com o Iron Maiden quando colocou Bruce Dickinson no lugar de Paul Di’Anno. Pode arruinar e jogar no lixo uma trajetória construída durante anos, comprometendo o futuro do grupo, como aconteceu com o mesmo Iron Maiden ao substituir Dickinson por Blaze Bayley ou com o Nightwish ao trocar Tarja Turunen por Anette Olzon. Ou pode alterar totalmente a identidade sonora do artista e fazê-lo ressurgir através da exploração de outros caminhos, como ocorreu com o Black Sabbath com a adição de Ronnie James Dio no lugar de Ozzy Osbourne e, mais recentemente, com o próprio Nightwish com a adição de Floor Jansen.

O caso do Kamelot, no entanto, é um pouco diferente das situações citadas no parágrafo anterior. A banda norte-americana galgou diversos degraus na hierarquia do heavy metal e conquistou o coração de uma quantidade significativa de fãs a partir da troca de seu vocalista original, Mark Vanderbilt, substituído pelo excepcional cantor norueguês Roy Khan. Com ele, gravou discos excepcionais como The Black Halo (2005) e Ghost Opera (2007), consolidando-se como uma das novas forças do power metal. No entanto, Khan decidiu deixar a banda em 2011, após a turnê do álbum Poetry for the Poisoned. E então, o futuro do grupo liderado pelo guitarrista Thomas Youngblood entrou em xeque.

No entanto, Thomas e sua turma souberam lidar com a situação como poucos. Em um processo relativamente ágil, rapidamente anunciaram um substituto para Roy Khan: o sueco Tommy Kaverik. E aqui entra um fator interessante: tanto visualmente quanto em relação ao seu timbre, Kaverik é bastante parecido com Khan. Uma espécie de clone escolhido a dedo, de maneira aparentemente consciente, e que é um dos responsáveis por fazer o Kamelot não perder o foco e manter a sua trajetória ascendente.

A estreia da nova formação aconteceu em 2012 com o lançamento de Silverthorn, disco que mostrou que a banda tinha total capacidade de seguir em frente com o mesmo nível de qualidade anterior. E essa certeza se consolida com Haven, décimo-primeiro álbum de estúdio do grupo, lançado no início de maio. Novamente produzido por Sasha Peth, colaborador de longa data dos norte-americanos e responsável pela produção de vários discos do grupo, incluindo o já clássico The Black Halo, Haven mostra o Kamelot seguindo com a sua evolução. Ao longo dos anos, o quinteto foi diminuindo o foco na velocidade e nas melodias, dois dos elementos essenciais do power metal, ao mesmo tempo em que adicionou características góticas somadas a arranjos criativos e mudanças de andamento em suas composições, construindo uma identidade própria e original. Essa postura se mantém em Haven, e segue sendo um dos diferenciais do metal moderno e atual do Kamelot.

O disco traz treze faixas e as participações especiais de Charlotte Wessels (vocalista do Delain), Troy Donockley (flautista e multi-instrumentista a serviço do Nightwish) e Alissa White-Gluz (vocalista do Arch Enemy). Uma tradição em se tratando do Kamelot, a adição de músicos convidados agrega qualidade ao trabalho, possibilitando a exploração de aspectos únicos. É o caso de “Under Grey Skies”, balada com acento étnico e que traz Wessels e Donockley dividindo os holofotes com a banda. Mas é a presença de Alissa que traz um impacto maior, com a moça colocando o seu timbre gutural e agressivo em “Liar Liar (Wasteland Monarchy)” e em “Revolution”, em contraste com a voz bela e cristalina de Kaverik.

O Kamelot, mais uma vez, tira o foco da velocidade pura e simples e foca seus esforços na construção de canções repletas de nuances e momentos distintos, o que dá uma dinâmica bastante variada para o álbum. Mantendo suas características principais e sabendo evoluir sem chocar os fãs, os norte-americanos mostram mais uma vez o porque de serem um ponto fora da curva no cenário do heavy metal.

Superior a Silverthorn, Haven reafirma a força deste novo capítulo na história do Kamelot, que se mantém criativo e soa renovado e cheio de energia em seu novo disco. Que siga assim pelos próximos anos!

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Faith No More - Sol Invictus (2015)

18:30

18 anos. Quando somos adolescentes, sonhamos alcançar este idade mágica. A maturidade. Poder fazer a carteira de motorista. Ser maior de idade e mais um monte de coisas. Fiz 18 em 1990, ano em que o Faith No More começava a estourar com The Real Thing, disco lançado em 1989 e que traz alguns dos maiores clássicos da banda, como “Epic”, “From Out to Nowhere” e “Falling to Pieces”. Apesar do enorme sucesso, confesso que prefiro o álbum seguinte dos norte-americanos, o sensacional Angel Dust (1992), um dos discos mais agressivos e imprevisíveis em que já coloquei os ouvidos. 

Mas também me sinto obrigado a confessar que, na verdade, o Faith No More nunca foi uma das minhas bandas favoritas. Não sei dizer o motivo, mas o grupo nunca me bateu de maneira profunda a ponto de figurar naqueles infinitos top 10 que a gente que gosta de música e cultura pop elabora todas as semanas. Reconheço a criatividade e admiro a inquietude do quinteto  que alcançou o seu ápice em Angel Dust em minha opinião, mas Mike Patton e companhia nunca me comoveram a ponto de me deixar de joelhos por sua música.

18 anos. Este é o tempo que separa Album of the Year (1997) de Sol Invictus, primeiro disco de inéditas do FNM em quase duas décadas. Lançado em 18 de maio, o play foi produzido pelo baixista Billy Gould. O time é praticamente o mesmo: Patton nos vocais, Gould no baixo, Roddy Bottum nos teclados e Mike Bordin na bateria. A única mudança é Jon Hudson no lugar de Jim Martin, o guitarrista com cabeleira crespa de fazer inveja a Slash. Mas Hudson já estava no disco lá de 1997, então a festa continua.

As dez faixas de Sol Invictus podem ser resumidas em uma palavra: maturidade. Sim, aquela mesmo que a gente teoricamente alcança aos 18 anos, mas que, na verdade, leva muito mais pra chegar (ou, como diria o escritor gaúcho André Takeda, autor de O Clube dos Corações Solitários: “a maturidade é uma fase, a adolescência é para sempre”). Investindo na pluralidade que sempre foi uma de suas marcas registradas, a banda entrega caminhos diferentes em cada uma das canções de Sol Invictus. Do que se espera do quinteto na roqueira “Superhero" a uma valsinha satânica e roqueira em “Rise of the Fall”. Da soturna e climática faixa-título à contemplativa e sombria “Cone of Shame”, onde Patton alterna momentos onde canta com outros em que declama a letra como um velho ator de filmes de terror na escola de Vincent Price. Ou o pop que lembra os Wings de Paul McCartney em “Black Friday” e o seu oposto, a experimental “Motherfucker”, cujo título é cantado com toda pompa e circunstância em seu refrão. Ou a visita ao clima da Broadway na linda “Matador”, um contraste com a simultaneamente ensolarada e contemplativa “From the Dead”, que fecha o álbum.

Quanto tinha 18 anos, eu imaginava que ao alcançar os 42 anos a minha vida já estaria toda resolvida, com tudo o que sempre quis e sonhei. Hoje, aos 42 anos, muitos dos sonhos daquele garoto de 18 anos continuam vivos, convivendo lado a lado com as responsabilidades, os desafios e os cabelos brancos que o tempo trouxe. Talvez isso seja a tal maturidade, vai saber. O que sei é que Sol Invictus é um dos melhores discos lançados pelo Faith No More em sua carreira, e está lado a lado com The Real Thing e Angel Dust como os momentos mais altos de sua discografia, o que não quer dizer pouca coisa.

Um dos melhores álbuns de 2015, sem dúvida!

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