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terça-feira, 8 de setembro de 2015

Um disco por dia: Mahavishnu Orchestra - The Inner Mounting Flame (1971)

18:41

The Inner Mounting Flame é o primeiro disco da Mahavishnu Orchestra, grupo liderado pelo espetacular guitarrista inglês John McLaughlin. Ao lado de McLaughlin estavam músicos experientes e respeitadíssimos. O baterista panamenho Billy Cobham teve passagens pelos grupos de Horace Silver, Kenny Burrel, Miles Davis, George Benson e Quincy Jones, além de inúmeras outras participações. Já o baixista irlandês Rick Laird dividiu o palco com Wes Montgomery, Sonny Stitt e Sonny Rollins, e mais tarde faria parte dos grupos de Stan Getz e Chick Corea.

O tcheco Jan Hammer, pianista e tecladista, colaborou com artistas do porte de Jeff Beck, Al Di Meola, Mick Jagger, Carlos Santana, Stanley Clarke, Elvin Jones e mais uma pá de músicos, além de ter composto, na década de 1980, o tema da série Miami Vice. E o violinista norte-americano Jarry Goodman teve uma passagem pela Orquestra Sinfônica de Chicago, além de ter colaborado com o Dixie Dregs e, mais recentemente, com Jordan Rudess e Derek Sherinian, atual e ex-tecladista do Dream Theater, respectivamente. Isso sem falar do próprio McLaughlin, fundamental na transição de Miles Davis do jazz tradicional para o fusion em álbuns seminais como In a Silent Way (1969), Bitches Brew (1970) e A Tribute to Jack Johnson (1971). Ou seja, um timaço!

Lançado em agosto de 1971, o disco foi automaticamente considerado pela crítica como um clássico. Motivos para isso não faltam. Suas oito faixas mostram uma imensa, inspiradíssima e definitiva simbiose entre rock, música clássica, jazz, blues e até mesmo elementos de música celta. Totalmente instrumental, o álbum tem como seu elemento principal a guitarra de braço duplo de McLaughlin, que é o instrumento central de todas as composições. A partir de seus acordes os arranjos evoluem, caminhando por um mundo próprio onde não há limites entre os gêneros musicais.

Pra lá de técnicos e extremamente virtuosos, todos os cinco músicos, principalmente McLaughlin, Cobham e Hammer, despejam notas rapidíssimas, mas que fazem total sentido nas composições. Há momentos sublimes, principalmente a abertura com "Meeting of the Spirits", as camadas de melodia de "Dawn", a sensacional "The Dance of Maya" e seu contraponto, a calma "You Know You Know".

The Inner Mounting Flame é um dos discos mais incríveis que eu tive o privilégio de ouvir nessas minhas mais de três décadas como consumidor e colecionador de música.

Espiritual, clássico e fundamental!

Todos os dias, um review analisando um título da minha coleção. Pra ouvir com a mente aberta e as portas da percepção escancaradas.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Um disco por dia: Lefties Soul Connection - Hutspot (2006)

21:15

Parece improvável, e realmente é. Explico: você coloca Hutspot, disco de estreia dos holandeses do Lefties Soul Connection para rolar, e o que sai dos alto-falantes é um delicioso e contagiante funk/soul setentista, influenciado por nomes do porte de The Meters e Booker T. & The MGs.

Improvável por duas razões: primeiro por a banda ser, como eu já disse, natural da Holanda, e executar com competência ímpar um gênero musical nascido das dores, frustrações e sonhos da população negra norte-americana. E segundo porque, ao contrário do que tudo indica, o primeiro disco dos caras não foi lançado na primeira metade da década de 1970 e ficou escondido anos a fio em sebos e no submundo dos colecionadores - pelo contrário, o CD é de 2006!

Vamos lá então: o Lefties Soul Connection foi formado em Amsterdam, capital holandesa, em agosto de 2001 pelo guitarrista Onno Smit e pelo organista Alviz (assim mesmo, sem sobrenome algum). No final daquele ano o batera Cody Vogel juntou-se à dupla, e o line-up foi completado em meados de 2002, quando o baixista Bram Brosman completou o quarteto (esse último deixou o combo em 2008, sendo substituído por Pieter Bakker).

A banda ganhou destaque na mídia dos Países Baixos através da ótima repercussão alcançada pela versão que fizeram de "Organ Donor", do DJ Shadow. O single chamou a atenção da Excelsior, que assinou com os caras, colocando o primeiro play do grupo na praça.

O som, como eu já disse, é um funkão de remexer o esqueleto, repleto de groove e com elementos de soul music, principalmente devido à onipresente e muito bem-vinda influência de Booker T. O disco é totalmente instrumental, com exceção de uma faixa, "It´s Your Thing / Hey Pocky A-Way", que conta com vocais - não por acaso, a "menos boa" do CD. As outras composições levam o ouvinte em um embalo constante, sempre com o órgão Hammond de Alviz à frente.

Momentos empolgantes são garantidos através de pérolas como "Doin´ the Thing", que abre o play com um quebradeira danada; "V2", que nos transporta sem cerimônia para meados dos anos 1960; a já citada versão de "Organ Donor", onde o grupo desconstrói a composição do DJ Shadow, com destaque para a guitarra de Onno Smit; o groove cheio de malícia de "Generator Oil"; e a energia bruta da faixa-título. A bem da verdade, todas as composições apresentam um nível bastante elevado, e essas citadas são apenas as minhas favoritas.

Depois de Hutspot o Lefties Soul Connection lançou mais dois discos - Skimming the Skum em 2007 e One Punch Pete em 2011 -, e desde então está na estrada, fazendo frequentes turnês pela Europa.

Se você gosta de The Meters, Booker T & The MGs, Kashmere Stage Band e toda aquela cena funk/soul norte-americana do final dos anos 1960 e início dos 1970, vai pirar com esse primeiro disco do Lefties Soul Connection. Uma grata surpresa, que irá descer redondo pelos ouvidos, cabeças e pés de todo e qualquer amante da boa música.

Enfim, extremamente recomendável!

Todos os dias, um review de um título da minha coleção. Pra tirar os móveis da sala e ouvir remexendo o esqueleto.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Um disco por dia: Benny Carter - Jazz Giant (1958)

19:00

Nascido em 8 de agosto de 1907 em Nova York, Benjamin Lester Carter foi um saxofonista, multi-instrumentista, arranjador, compositor e bandleader norte-americano. Sua longa carreira contém uma das mais extensas, influentes e cultuadas trajetórias da história do jazz.

Apreciador do sax alto, Carter também tinha grande habilidade e técnica no trompete e dominava igualmente o clarinete, o piano e o trombone. Grande improvisador, fazia o som do seu saxofone flutuar sobre harmonias complexas, que geravam agradáveis melodias aos ouvidos. Benny Carter foi também um dos criadores das big bands, antecipando conceitos harmônicos que seriam utilizados mais tarde no bebop.

Jazz Giant, lançado em 1958, é um dos pontos mais altos de sua carreira, e um documento da época em que o swing dava as cartas no gênero. Cercado por músicos da costa oeste - além do próprio Carter no sax alto e no trompete, o grupo era completado pelo também cultuado Ben Webster no sax tenor, Frankie Rosolino no trombone, Andre Previn e Jimmy Rowles no piano, o excelente Barney Kessel na guitarra, Leroy Vinnegar no baixo e Shelly Manne na bateria -, Benny conduz os instrumentistas em uma das sessões de jazz mais iluminadas, e abençoadas, do século XX.

O disco é um deleite aos ouvidos. Os solos de Carter são gentis e elegantes. Webster complementa e se contrapõe a Benny, entrelaçando sons de seu instrumento às harmonias conduzidas por Carter. Kessel brilha intensamente, com um trabalho e um timbre de guitarra que demonstram que o instrumento não serve apenas para criar pesados e distorcidos riffs, como muita gente pensa.0

Entre as faixas, momentos sublimes como a abertura, "Old Fashioned Love"; a versão arrepiante de "I´m Coming Virginia"; o ritmo quebrado e contagiante de "Blue Lou"; a clássica "Ain´t She Sweet", perfeita para se ouvir caminhando sem rumo por aí; "How Can You Lose", com passagens arrepiantes de Carter no trompete; e a jam "Blues My Naughty Sweetie Gives to Me", que fecha o play com gostinho de quero mais.

Ainda assim, nada se compara ao andamento repleto de malícia e sensualidade de "A Walkin´ Thing", uma daquelas composições que tem o poder, já em suas primeiras notas, em seus primeiros segundos, de nos transportar para mundos desconhecidos e maravilhosos, repletos de cores e sensações que hipnotizam de tal maneira que fazemos questão de sempre voltar para lá.

Enfim, como já li em vários artigos, Benny Carter é provavelmente o maior bandleader desconhecido da história do jazz, o que a simples audição desse disco já comprova ser uma gigantesca injustiça.

Jazz Giant é um daqueles álbuns que, por mais que fiquem bonitos em sua estante, funcionam melhor ainda quando teimam em não sair do aparelho de som. Faça a experiência: coloque o disco para tocar e daqui a algumas semanas, quando você já o tiver ouvido dezenas de vezes e ainda sentir o mesmo frescor inicial da primeira audição, me diga se eu não estou correto.

Todos os dias, um review analisando um título da minha coleção. Pra ouvir na boa e de bem com a vida.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Um disco por dia: Johnny Winter - The Progressive Blues Experiment (1969)

16:39

Primogênito de John e Edwina Winter, John Dawson Winter III é um dos mais importantes e influentes músicos de blues do século XX. Sua guitarra fez história, elevando-o à condição de lenda, status esculpido a ferro e fogo pelas highways de sua vida.

Albino como o seu irmão menos famoso, Edgar, Johnny começou a tocar muito cedo, e, aos 15 anos, já havia gravado seu primeiro álbum, School Boy Blues, creditado ao grupo Johnny and the Jammers, hoje disputado mais por ser um raro souvenir do que propriamente por sua qualidade artística. Ainda durante a adolescência, Winter teve a oportunidade de assistir ao vivo ícones como Muddy Waters e B.B. King, fundamentais na sua formação.

Em 1968, Johnny Winter formou um trio com o baixista Tommy Shannon e o baterista Uncle Joe Turner. Os shows chamaram a atenção e deram uma certa reputação à banda, levando o jornalista Larry Sepulvado a escrever sobre o grupo para a então nascente Rolling Stone. A matéria de Sepulvado gerou interesse em Winter, tornando as apresentaçãos ainda mais concorridas.

Em abril de 1969 chegou às lojas The Progressive Blues Experiment, lançado pela Imperial Records, trazendo uma sonoridade crua e rude, que ajudou a definir o tipo de música que seria associada, mais tarde, à vertente do gênero proveniente do Texas. Trazendo apenas quatro faixas próprias ("Tribute to Muddy", "Bad Luck and Trouble", "Mean Town Blues" e "Black Cat Bone"), o álbum contém competentes releituras para clássicos de autoria de Muddy Waters ("Rollin´ and Tumblin´"), Sonny Boy Williamson ("Help Me"), Slim Harpo ("I Got Love If You Want It"), B.B. King ("It´s My Own Fault") e Howlin´ Wolf ("Forty-Four"), deixando claras as influências que acompanhariam Winter por toda a sua carreira.

Clássico incontestável, o álbum mostrou ao mundo o estilo único de Johnny Winter, seja no slide de "Rollin´ and Tumblin´", no tempero country de "Bad Luck and Trouble", nos solos inspirados de "Tribute to Muddy" e na aproximação com o hard rock de "Mean Town Blues", seguindo a mesma linha que o Led Zeppelin exploraria com brilhantismo ímpar durante a década de 1970.

Se você gosta de blues ou de rock, esse é um disco imperdível.

Todos os dias, um review analisando um título da minha coleção. Leia no volume máximo, com a air guitar plugada.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Um disco por dia: Buffalo Killers - Dig. Sow. Love. Grow. (2012)

18:41

Eu poderia começar este texto afirmando que o quarto disco da banda norte-americana Buffalo Killers, Dig. Sow. Love. Grow., é uma grata surpresa. Mas o fato é que o trio formado por Andrew Gabbard (vocal, guitarra e piano), Zachary Gabbard (vocal e baixo) e Joseph Sebaali (bateria) já é conhecido por aqueles ouvintes que não se contentam apenas com o que lhes é vendido e gostam de pesquisar e ir atrás das boas novidades musicais. Ou melhor, deveria ser.

Dig. Sow. Love. Grow. tem cara de pérola perdida. Sabe aquelas matérias especiais que mergulham fundo nos porões mais empoeirados das décadas de 1960 e 1970 e saem com indicações certeiras de discos e bandas sensacionais e que pouquíssima gente ouviu falar? Aqui acontece a mesma coisa, mas com uma diferença: o Buffalo Killers é uma banda atual e está em pleno amadurecimento, construindo uma sonoridade cada vez mais rica e cativante.

Formada em Cincinnati, Ohio, em 2006, o trio já tem uma discografia de respeito. O primeiro play, batizado apenas com o nome do grupo, saiu em 2006 e chamou a atenção de Chris Robinson, que colocou os caras para abrir a turnê de 2007 do Black Crowes. O segundo, Let It Ride (2008), foi produzido por Dan Auerbach, vocalista e guitarrista do Black Keys. E o terceiro, intitulado apenas 3, saiu em agosto de 2011, mantendo o alto nível. Fechando a discografia, Heavy Reverie chegou às lojas em maio de 2014.

Há uma notável influência de Black Crowes em Dig. Sow. Love. Grow., mas também de diversos outros nomes do rock setentista. É possível ouvir ecos de Faces, James Gang e até alguma coisa dos Eagles em algumas passagens. Mas não espere encontrar um remake destas bandas, com uma sonoridade propositadamente saudosista, que apenas emula o que de melhor foi produzido durante a década de 1970. Não, o papo aqui é outro. O Buffalo Killers mostra talento e personalidade, entrando sem medo em uma máquina do tempo sonora e saindo de lá com composições fortes e criativas, repletas de timbres gordos e andamentos espertos, que conquistam quem quer, no final das contas, ouvir apenas aquilo que realmente importa: um bom disco de rock. E Dig. Sow. Love. Grow. é um senhor disco, que alterna faixas mais agitadas com outras que se aproximam do blues, do country e da psicodelia multi-colorida. Aliás, a aproximação com o country dá um aspecto bem rural e agreste para a maioria das faixas. 

Sem um hype gigantesco, sem pressão por resultados, sem expectativas mirabolantes, Sebaali e os irmãos Gabbard gravaram um álbum repleto de ótimas canções, cheias feeling e autenticidade. Tudo soa orgânico e com alma.

Dig. Sow. Love. Grow. não vai revolucionar nada, não vai figurar nas paradas e muito menos mudar o mundo. Porém, proporciona algo tão importante quanto: é daqueles trabalhos que vão nos conquistando aos poucos, com canções de qualidade e uma verdade que transborda pelos sulcos. Enfim, apenas um bom disco de rock. Simples assim.

Todos os dias, um review analisando um título da minha coleção. Leia no volume máximo, com a air guitar plugada.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Um disco por dia: Lynyrd Skynyrd - Free Bird: The Movie (1996)

17:23

Uma das bandas mais cultuadas do rock, o Lynyrd Skynyrd tem uma história trágica. Dia 20 de outubro de 1977, apenas três dias após o lançamento do ótimo Street Survivors, álbum que vinha na esteira do duplo ao vivo One More From the Road, lançado no ano anterior e que consolidou o Skynyrd como um dos maiores nomes do rock norte-americano, o avião da banda caiu a caminho de um show na Universidade da Lousiana, matando o vocalista Ronnie Van Zant, o guitarrista Steve Gaines e a sua irmã, Cassie Gaines, que fazia backing vocals para o grupo, além do manager Dean Kilpatrick.

Lançado no dia 8 de agosto de 1996, quase vinte anos após o acidente, Free Bird: The Movie é a trilha sonora do documentário homônimo, que conta a carreira do grupo intercalado com imagens de diversos shows (com destaque para a apresentação no Knebworth Festival de 1976, abrindo para os Rolling Stones, onde tocaram em um palco em forma de língua e roubaram o show).

Todo o áudio de Knebworth foi restaurado pelo produtor Tom Dowd, o mesmo do clássico One More From the Road, enquanto que as versões de "What's Your Name" e "That Smell", gravadas no Convention Hall de Asbury Park, em Nova Jérsei, precisaram de overdubs de baixo, levando Leon Wilkinson a refazer as suas partes em estúdio.

Contraditoriamente, o vídeo continua inédito no Brasil (na época do seu lançamento, o VHS podia ser encomendado diretamente pelo site oficial da banda - o que fiz), enquanto que o CD ganhou versão nacional logo após o lançamento norte-americano.

Falar de um show do Lynyrd Skynyrd, o maior nome do southern rock, com a banda no auge durante a turnê de um dos seus melhores álbuns, é covardia. O disco é um desfile de clássicos, e abre com "Workin' For MCA", seguida de "I Ain't the One" e de um dos destaques do play, "Saturday Night Special", onde podemos sentir na pele todo o poder do paredão de guitarras formado por Gary Rossington, Allen Collins e Steve Gaines (só para constar: quando o Iron Maiden anunciou o retorno de Bruce Dickinson e Adrian Smith ao grupo em 1999, Steve Harris declarou não lembrar de nenhuma banda que tivesse feito algo relevante com três guitarras, com exceção do Lynyrd Skynyrd. O velho 'Arry sabe das coisas ...).

Como uma máquina do tempo que nos leva de volta ao passado, "Whiskey Rock-A-Roller" e a matadora "Travelin' Man" (outro destaque em um show repleto de pontos altos) fazem você se sentir no meio da multidão.

"Travelin' Man", aliás, merece um parágrafo a parte. Uma das melhores canções do grupo, tem a sua raiz em uma linha de baixo matadora de Leon Wilkinson, com as guitarras entrando aos poucos e se interligando completamente, como se, ao invés de três guitarristas, o Lynyrd Skynyrd tivesse apenas um, com seis braços tocando dezoito cordas. De arrepiar!

As versões de "What's Your Name" e "That Smell" presentes aqui, apesar dos overdubs citados, estão comprometidas pela qualidade do áudio, o que é uma pena, porque, além de ótimas composições, possuem um valor histórico muito grande, já que são um dos últimos registros ao vivo do grupo. Mas, mesmo assim, é um prazer incrível ouvir o solo inspiradíssimo de "That Smell", onde, mais uma vez, as guitarras de Rossington, Collins e Gaines formam uma parede sonora ao mesmo tempo poderosa e belíssima.

"Gimme Three Steps", a versão para "Call Me The Breeze" de J.J. Cale e "T For Texas (Blue Yodel No. 1)" abrem caminho para um encerramento sensacional, com os dois maiores clássicos do Skynyrd: "Sweet Home Alabama" e "Free Bird".

Marca registrada do grupo, "Sweet Home Alabama" foi gravada como uma resposta a "Southern Man" de Neil Young (do álbum After the Gold Rush, de 1970), crítica feroz do artista canadense ao comportamento racista predominante nos estados do sul dos Estados Unidos, pivô de diversos conflitos raciais e local de origem de associações como a Klu Klux Klan. Essa música encerra o registro do show em Knebworth.

Já "Free Bird" foi gravada em um estádio lotado durante o evento Day on the Green, no dia 3 de julho de 1977, alusivo à independência norte-americana, e traz uma emoção palpável. Quem assistiu ao vídeo lembra do estado do público, que parecia estar em transe coletivo enquanto a banda executava a música. Esse clima também pode ser sentido no registro em CD, onde o grupo toca o seu maior hino de maneira perfeita, com destaque para o pequeno solo improvisado pelo pianista Billy Powell e, é claro, para a guitarra de Allen Collins, que durante mais de seis minutos toca alucinadamente, em um dos maiores solos da história do rock. Pouco mais de três meses depois, a banda cairia literalmente dos ares e ficaria esfacelada.

Fechando o disco temos uma versão de "Dixie", canção que é considerada quase um hino sulista, executada pelo artista Bruce Brown.

Quem quer entender o rock and roll e suas transformações em seis décadas de vida precisa conhecer certas bandas, certos álbuns e certas músicas. Free Bird: The Movie mostra um dos maiores grupos dos anos 1970 no auge, com a sua melhor formação (Ronnie Van Zant no vocal, Gary Rossington, Allen Collins e Steve Gaines nas guitarras, Leon Wilkinson no baixo, Billy Powell no piano e Artymus Pyle na bateria), tocando em um de seus últimos shows. Precisa de mais algum motivo para ter este disco?

Acho que não.

Todos os dias, um review analisando um título da minha coleção. Leia no volume máximo e com a air guitar plugada.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Um disco por dia: Von Hertzen Brothers - Stars Aligned (2011)

18:10

Foo Fighters tocando os maiores sucessos do Pink Floyd depois de passar alguns anos na Índia ouvindo muito Beach Boys”. Essa definição estava no release distribuído à imprensa e tentava definir o som do Von Hertzen Brothers aos não iniciados na banda. Ouvindo Stars Aligned, quarto disco do grupo, percebe-se que quem a cunhou foi muito feliz.

Mas, a princípio, os irmãos Von Hertzen - Mikko (vocal e guitarra), Kie (guitarra e vocal) e Jonne (baixo) - não tocavam juntos. Cada um dos três trilhava seu próprio caminho em diferentes bandas em seu país natal, e com bastante sucesso. A ideia de reunir forças nasceu por acaso, na festa de aniversário do pai, onde foram fazer uma jam e perceberam, enfim, que a química estava, literalmente, no sangue.

Stars Aligned foi o disco responsável por fazer o Von Hertzen Brothers colocar os pés para fora da Finlândia pela primeira vez. A ótima repercussão dos CDs anteriores, que foram muito bem aceitos tanto pela crítica quanto pelos fãs, fez com que a gravadora apostasse na carreira internacional do trio. Basta dar play para perceber porque.

O Von Hertzen Brothers executa um rock que vai do pop ao prog com naturalidade. As composições, cheias de camadas instrumentais, trazem primorosos arranjos vocais, em uma saudável influência de nomes como Queen e Yes. Há elementos também do hard rock e até mesmo do heavy metal na rica sonoridade do grupo, que impressiona pelo extremo bom gosto.

Há momentos emocionantes e sublimes, como “Voices in Our Heads”, uma composição espetacular e, sem exageros, brilhante. Essa alta qualidade é marcante em diversas faixas, como “Miracle”, “Gloria” e “Angel's Eyes”. A exploração de elementos da música oriental dá, além de um ar diferenciado à música do Von Hertzen Brothers, um bem-vindo clima de mistério e misticismo totalmente apropriado para a capacidade inerente que o álbum possui de levar o ouvinte a outras dimensões.

Outra característica marcante do grupo está em possuir uma clara aura setentista que não soa, em nenhum momento, datada. Apesar de essa parecer uma afirmação meio contraditória a princípio, escutando o disco percebe-se a maneira única com que o trio utiliza elementos do período clássico do rock na construção da sua música, mostrando inteligência em arranjos que nunca soam exagerados ou desnecessários. Um ótimo exemplo está em “Bring Out the Snakes”, que soa como o Pink Floyd clássico dos anos 1970.

A audição de Stars Aligned é uma experiência incrivelmente prazerosa e gratificante, algo raro nos tempos em que vivemos. É impossível ficar impassível diante de tamanha musicalidade exteriorizada em composições fortíssimas, donas de uma personalidade inquieta e desafiadora.

Ouça e conheça a sua nova banda favorita!

Todos os dias, um review analisando um álbum da minha coleção. Leia no volume máximo, ouça com o coração aberto.

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Um disco por dia: Chris Robinson Brotherhood - Big Moon Ritual (2012)

17:39

Em um mundo cada vez mais frenético, nervoso e individualista, o ato de ouvir música passou por uma transformação profunda. Há poucos anos atrás, escutar um disco era uma atividade tangível. Você comprava o LP, levava pra casa, abria o plástico da embalagem, tirava o disco com todo cuidado, colocava o vinil na vitrola e curtia sem pressa aquilo que o artista havia criado. Hoje não é mais assim. Atualmente, você ouve um amigo falar de uma banda, ou escuta uma canção na TV, e vai já correndo para o computador atrás do arquivo para baixar, colocar no seu MP3 player e ouvir entre as centenas de faixas que estão ali. A música não tem mais cara e ficou resumida a um arquivo sem identidade perdido entre tantos outros.

Na contramão dessa correria toda, eis que desabrocha um antídoto para o borrão que virou o cotidiano da maioria das pessoas. Como um Messias hippie deslocado no tempo e extremamente orgulhoso de sua condição, surge no horizonte a figura de Chris Robinson, vocalista do The Black Crowes. 

Sem o irmão quase siamês Rich ao seu lado devido ao hiato no qual os corvos se encontram, Chris chamou o guitarrista Neal Casal (que tocou com Ryan Adams por muito tempo), o tecladista Adam MacDougall (parceiro nos Crowes), o baixista Mark Dutton (Burning Tree) e o baterista George Sluppick (que tocou com um sem número de grupos). O quinteto excursionou por um ano pelos Estados Unidos azeitando a química entre os integrantes, e, felizmente, conseguiu transportar para o estúdio toda a alquimia sonora construída entre os músicos.

Batizado como Chris Robinson Brotherhood, o CRB lançou em junho de 2012 o seu primeiro disco, Big Moon Ritual. O play tem apenas sete faixas - mas que 7 faixas! O astral aqui é contemplativo, tirando o ouvinte da correria, desacelerando o seu organismo e colocando-o em outro estado de espírito. Quatro das faixas tem mais de sete minutos. Duas delas ultrapassam os nove. E “Tulsa Yesterday”, que abre a bolacha, quase supera a barreira dos doze minutos.

Big Moon Ritual proporciona uma espécie de comunhão hippie entre a banda e os felizardos que ouvem o álbum. A sonoridade é calma, baseada no blues embebido com onipresentes características do soul e do country. Isso dá uma cara bem rural, bucólica e interiorana para a coisa toda. Chris Robinson chama você para um papo, acende um cigarro, serve um whisky e conta histórias sem pressa. Ao final da garrafa ambos os lados, banda e fãs, sentem-se como velhos amigos, integrantes de uma mesma irmandade, despreocupados com o mundo e ligados realmente no que importa: a vida, e apenas ela.

Não há destaques individuais, assim como nenhuma música se sobressai às outras. O que temos aqui é um trabalho conjunto de uma banda formada em torno de uma mesma visão de mundo, um disco que é muito maior que a soma de suas faixas. 

Big Moon Ritual é o contraste necessário, o carro que vem na direção contrária, o cara que contesta o senso comum. É o pensar diferente da maioria, acreditando que é possível ter uma vida muito mais completa que a que temos, cercados por computadores, cumprindo prazos cada vez mais apertados buscando alcançar expectativas sempre mais elevadas. Big Moon Ritual é o inverso disso tudo. Ele faz a gente colocar os pés no chão e repensar se a correria e o stress do dia-a-dia realmente valem a pena. E, ao final de sua deliciosa audição, a resposta está na ponta da língua: é claro que não.

Você um dia acordou e percebeu que o verdadeiro prazer está nas pequenas coisas, em estar perto de quem você ama, junto de quem te conhece quase mais do que você mesmo. Big Moon Ritual é a trilha para esse sentimento. 

Ouça, e descubra um eficiente atalho para a felicidade!

Todos os dias, um review analisando um álbum da minha coleção. Leia no volume máximo, ouça com o coração aberto.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Um disco por dia: Baroness - Yellow & Green (2012)

18:29

Há uma mudança de curso em Yellow & Green, terceiro disco da banda norte-americana Baroness. Pretencioso até a alma e bom até dizer chega, o álbum - duplo, com 18 faixas - traz o quarteto investindo em uma sonoridade mais ampla, que vai muito além do sludge com elementos progressivos dos trabalhos anteriores, Red Album (2007) e Blue Record (2009).

Produzido por John Congleton (Modest Mouse, Okkervil River, The Polyphonic Spree), Yellow & Green é um trabalho repleto de detalhes. Pesado, psicodélico, atmosférico e experimental, tudo ao mesmo tempo, o disco coloca os holofotes da música pesada focados no grupo. Resumindo em palavras: neste disco, o Baroness soa como se o Radiohead tocasse heavy metal. Não há limites, a criatividade é onipresente, não existem preconceitos, os medos e receios foram todos embora. Isso faz com que cada faixa seja imprevisível, cada composição seja um choque. E é justamente essa sensação que faz Yellow & Green ser um disco tão impressionante.

Indo muito além do padrão e fugindo das conveniências, o Baroness arrebata. John Baizley e Peter Adams derramam guitarras gêmeas inspiradas em diversos momentos, enquanto Matt Maggioni e Allen Bickle - baixista e baterista, respectivamente - trabalham como um ser único de duas cabeças, quatro braços e um mesmo objetivo. 

A principal qualidade de Yellow & Green é que trata-se de um álbum que tem como ingrediente principal algo cada vez mais em falta na música: a alma, o coração. As canções emocionam, as melodias são simples. O sentimento é palpável e contagia o ouvinte.

É até um pouco estranho uma banda atual lançar um álbum duplo com 18 faixas inéditas. Mas mais surpreendente que isso é o fato de essas faixas serem todas pertinentes, fazendo com que os pouco mais de 70 minutos do disco passem rápido e sem traumas. Há reminiscências de Pink Floyd, Mastodon e Radiohead aos montes durante todo o play, em uma tapeçaria sonora precisa e tocante.

“Take My Bones Away”, primeiro single, é uma das melhores músicas dos últimos anos. “Eula”, o segundo, é o tipo de faixa com poder para conquistar uma pessoa por anos. “Cocainium” soa como se o Mastodon tivesse gravado Ok Computer. A beleza e a melancolia são onipresentes em Yellow & Green.

Quando se é um consumidor, um colecionador de discos e um ouvinte de música há um certo tempo - no meu caso, há 30 anos -, a gente aprende a identificar, de imediato, aqueles trabalhos que são mais que simples CDs ou LPs, e que irão nos acompanhar por toda a vida. Yellow & Green é um deles. Um novo parceiro, que chega e já encontra o seu lugar confortável na vida de quem curte um som inovador, original e sem medo de experimentar novos caminhos. 

Música com vida e com alma, capaz de deixar qualquer um com o coração na boca: assim é Yellow & Green, um dos grandes discos desta década.

Ouça e dê um presente para a sua vida.

Todos os dias, um review analisando um álbum da minha coleção. Leia no volume máximo, ouça com atenção.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Um disco por dia: Return to Forever - The Mothership Returns (2012)

18:18

A ideia é postar um review todo dia, analisando um disco da minha coleção. Vai ser um desafio muito interessante. Vem junto?

O Return to Forever é um dos mais importantes e influentes nomes do jazz fusion. Formado em Nova York em 1971 pelo tecladista e pianista Chick Corea, sempre girou ao seu redor e do baixista Stanley Clarke, fiel escudeiro de Corea em todas as várias encarnações do combo. Uma das mais emblemáticas formações do Return to Forever contava com Chick, Stanley, o guitarrista Al Di Meola e o baterista Lenny White. E foi justamente essa versão que trouxe o grupo de volta, em uma celebrada turnê de reunião realizada em 2008. Porém, Di Meola saiu fora e jogou pra cima o que tinha tudo pra ser um balde de água fria nos músicos e nos fãs - mas acabou não sendo. Corea chamou para o seu lugar o guitarrista original da banda, Bill Connors, que chegou a ensaiar com o trio restante, mas foi impedido de sair em turnê devido a problemas de saúde. A solução foi encontrada então em Frank Gambale, guitarrista da Elektric Band de Chick. E, para dar um tempero extra, os caras chamaram ninguém mais ninguém menos que Jean-Luc Ponty, um dos maiores violinistas da história, para fazer parte do projeto. 

The Mothership Returns é o registro da excursão que o quinteto fez durante 2011. Trata-se de um CD duplo gravado ao vivo, que vem com um DVD extra com material de dar água na boca. A adição de Gambale e Ponty deu vida nova aos clássicos do Return to Forever. Músicos experientes e com sólida formação no jazz que são, o quinteto soube explorar com sabedoria as variações possibilitadas pela inclusão de novas peças no tabuleiro, aplicando um xeque-mate em qualquer pessoa que goste de música. As releituras de “Señor Mouse” e “The Shadow of Lo / Sorceress” beiram a perfeição. A banda toca também “Renaissance”, composição de Ponty presente no álbum Aurora (1975), acrescentando ainda mais dramaticidade e uma dose extra de balanço na jogada.

O registro tem apenas nove faixas, mas todas trazem o esplendor da música instrumental em seu ápice. Chick Corea, Stanley Clarke, Lenny White, Frank Gambale e Jean-Luc Ponty demonstram um entrosamento e uma liberdade instintivos em cima do palco, alcançando resultados que levam o ouvinte à estratosfera. O segundo CD é pródigo nessa sensação, com versões alucinantes de “After the Cosmic Rain” e “The Romantic Warrior”. Mas o ápice ocorre no final, com a dobradinha “Concierto de Aranjuez / Spain” e “School Days”. A primeira é conduzida com maestria por Corea, que prova continuar em forma do alto dos seus 71 anos. Já a segunda, saída diretamente do quarto disco solo de Clarke - também chamado School Days e lançado em 1976 -, é um acachapante funk que desafia qualquer um a ficar parado, e que aqui ficou ainda mais forte que em sua gravação original.


Um fato que chama a atenção em The Mothership Returns é que, em diversos momentos, o fusion do Return to Forever aproxima-se sem cerimônias do rock. Seja no peso de algumas passagens, nos arranjos montados pela banda ou na agressividade com que os músicos tocam, tem-se a impressão, em vários trechos, de estarmos ouvindo um disco de prog rock instrumental e não a reunião de alguns dos maiores nomes da história do jazz, o que só atesta o quão próximos estão os gêneros citados.

Poucas vezes ouvi um álbum ao vivo tão pulsante e intenso quanto The Mothership Returns. São pouco mais de 110 minutos de uma música estupenda, que cativa de forma profunda e atualiza a obra do Return to Forever, que já era impressionante. A inclusão de Gambale e Ponty foi uma jogada de mestre, dando nova vida e rejuvenescendo um dos catálogos fundamentais do jazz fusion.

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