segunda-feira, 1 de junho de 2015

Discografia Comentada: Ghost



Quando o Ghost surgiu, não havia muita informação sobre a banda. Aqueles seis músicos mascarados, originários da Suécia e vestindo figurinos sacros, eram misteriosos e seguiam a linha evolutiva de nomes como Alice Cooper e Kiss - visualmente, é claro. Aos poucos, mais informações e teorias foram surgindo, com tentativas de tentar identificar quem seriam os integrantes da banda, como uma busca pelo Santo Graal que poderia explicar o impacto instantâneo do grupo. 

Desde que surgiu, a banda ganhou capas nas principais revistas especializadas mundo afora, tocou em grandes festivais (incluindo uma passada pela edição 2013 do Rock in Rio), recebeu elogios de grandes nomes e, como não poderia deixar de ser, ganhou haters na mesma proporção. Mas o principal fato é que, durante todo esse tempo, o Ghost gravou ótimos discos. Com sete anos de carreira, o sexteto já lançou dois álbuns e um EP, com cada título explorando aspectos distintos de sua personalidade. 

Abaixo, está uma análise detalhada de cada um dos álbuns da banda, uma preparação para o novo trabalho do grupo, Meliora, que chegará às lojas em 21 de agosto. Um convite para quem quer explorar toda a beleza e a magia da música única desta talentosa e misteriosa banda sueca.



O Ghost surgiu na Suécia em 2008, gravou uma demo em 2010 e lançou o seu primeiro álbum, Opus Eponymous, em 18 de outubro de 2010. O disco saiu primeiro na Europa e só chegou ao mercado norte-americano em janeiro de 2011. Desde então, o nome e a reputação do grupo vêm crescendo entre os aficcionados por heavy metal. Ninguém conhece (ainda) a identidade dos músicos, já que eles só aparecem em público embaixo de pesada maquiagem e figurinos que variam entre monges para os instrumentistas e o mais alto posto da Igreja Católica para o vocalista, o que dá ao cantor um ar de papa satânico. Em uma linha evolutiva do estilo, o Ghost seria uma espécie de filho bastardo de Alice Cooper com o Kiss. 

Mas o impacto visual não seria suficiente caso a música também não fizesse a sua parte, e ela impressionou deste o início. O primeiro ponto que salta aos ouvidos é que o álbum de estreia dos suecos parece ter sido gravado no final dos anos 1970, soando próximo de alguns dos principais nomes daquela década e sem um pingo da evolução pela qual passou o metal nos últimos trinta anos. As principais influências são bandas clássicas como Black Sabbath, Judas Priest, Pentagram, Blue Oyster Cult e Coven, além de algumas pitadas do rock psicodélico do final da década de 1960. O resultado é uma música relativamente simples, sem arranjos complicados ou passagens exageradamente técnicas, e que retoma algumas características marcantes do metal setentista, como a melodia e a acessibilidade – sim, a acessibilidade, no sentido em que as composições cativam o ouvinte de primeira, grudando na cabeça e tornando a audição do trabalho um ato de prazer contínuo.

O som é orgânico, vivo, pulsante. O peso não está somente nas guitarras, mas sobretudo na atmosfera das composições. O vocalista Papa Emeritus não grita, não distorce a sua voz, apenas canta de forma limpa, explorando falsetes que remetem a Eric Bloom (do Blue Öyster Cult) e King Diamond. Os guitarristas despejam riffs e solos na melhor escola do metal clássico, enquanto o tecladista é o principal responsável por dar um clima único às faixas, fazendo as composições, todas com letras que exploram temas sobre ocultismo e satanismo, soarem com um clima religioso instigante.

Com apenas nove faixas e 35 minutos, Opus Eponymous é um disco inesperado, que entrega uma surpresa agradável a cada composição. Na contramão das generosas doses de agressividade e rapidez que assolam o metal contemporâneo, trouxe uma sonoridade rica em climas, o que torna a sua audição próxima a uma experiência sensorial. Os maiores destaque são “Con Clavi Con Dio”, a excelente “Ritual”, a ótima “Elizabeth” - dedicada à Condessa Elizabeth Bathory -, “Stand by Him”, “Prime Mover” e a admirável instrumental “Genesis”, que encerra o álbum de maneira perfeita.


O heavy metal sempre foi teatral. Causa mais impacto uma melodia tétrica, um arranjo sombrio, do que uma sonoridade extremamente agressiva e violenta. Essa lição foi ensinada lá na gênese do estilo, quando o Black Sabbath lançou o seu disco de estreia na sexta-feira, 13 de fevereiro de 1970. No entanto, apesar de óbvio, este ensinamento foi se perdendo com o tempo. Com guitarras cada vez mais pesadas, vocais cada vez mais guturais (e muitas vezes inaudíveis) e andamentos que beiram a velocidade da luz, o metal aproxima-se, muitas vezes, de uma caricatura de si mesmo.

Esse olhar para o passado, essa retomada a algo óbvio e sempre eficaz, talvez seja o grande mérito do Ghost. O disco de estreia do grupo chamou a atenção por apresentar um sopro de renovação na música pesada ao buscar nas raízes do estilo a sua inspiração. E o resultado foi além do esperado, com os mascarados liderados pelo vocalista Papa Emeritus sendo aclamados pela crítica, pelos fãs e pelos próprios artistas, com ícones como James Hetfield e Phil Anselmo desfilando com camisetas da banda e dando declarações exaltando a sua música.

Porém, independentemente disso, o que vem em primeiro lugar é a música, e ela seguiu soando única. Infestissumam (“hostil" em latim), lançado em 10 de abril de 2013, é o segundo álbum da banda e foi produzido por Nick Raskulinecz (Foo Fighters, Rush, Stone Sour, Trivium). Além disso, marcou a estreia do grupo pela Loma Vista, braço da Universal, que pagou US$ 750 mil pelo passe do sexteto. Mais sombrio e teatral que Opus Eponymous, trouxe o Ghost explorando uma gama maior de influências e encontrando a sua personalidade.

Em primeiro lugar, é preciso fugir das definições simplistas que permeiam o grupo. Não há nada de Mercyful Fate aqui, por exemplo, assim como não havia no disco de estreia - a não ser que você considere que o grupo tem influência dos dinamarqueses pelo simples fato de o timbre de voz de Papa Emeritus ser agudo como o de King Diamond. Uma das bases da música do Ghost é o Blue Öyster Cult, e em Infestissumam essa característica permanece, porém adornada com outros elementos muito bem encaixados, que vão do psicodelismo ao hard rock, passando pelo AOR e até mesmo pelo pop.

Em relação à estreia, o aspecto melódico foi explorado com mais profundidade, expandindo a característica teatral das composições. E o contraste entre melodias agradáveis e letras repletas de menções a temas ocultos e sombrios continua sendo o toque de mestre, com a banda construindo embalagens atraentes para um discurso que soa repugnante para a maioria. Outro ponto que merece destaque é a amplitude de influências explorada pela banda. Um certo tempero glam pode ser sentido em “Jigolo Har Megiddo”, enquanto em “Idolatrine” a sonoridade se aproxima do AOR, tornando a letra ainda mais eficaz.

Três canções formam a espinha dorsal de Infestissumam e se destacam das demais. A impressionante “Ghuleh / Zombie Queen” é a prova definitiva do imenso talento dos mascarados, partindo de uma balada atmosférica para um andamento que remete à surf music, tudo embalado por coros muito bem construídos. Ela soa como se o Goldfrapp encontrasse o Cramps - e acredite, o resultado é espetacular. Na sequência, “Year Zero” inscreve-se fácil entre as melhores músicas da carreira do grupo, iniciando com um coro macabro que transporta o ouvinte para algum ritual perdido no tempo. Com um arranjo inteligente e andamento moderado, tem batidas que nos levam à disco music e um teclado muito bem executado. E, por último, há “Monstrance Clock”, faixa que encerra o disco de maneira magnífica com uma narrativa dramática e um coro antológico. No meio disso tudo, surpresas como a valsa “Secular Haze” e “Body and Blood”, que soa como um cântico milenar retrabalhado para o nosso tempo.

Fascinante e às vezes estranho, Infestissumam mostrou o Ghost como uma clara visão do que aspira produzir, tanto musical quanto artisticamente. A banda apurou a sua identidade, que já era única, e a tornou ainda mais singular.  Um casamento profano entre metal, pop e hard rock, que prova prova que o Ghost está longe de ser obra do acaso.


Sete meses após lançar o seu segundo álbum, a banda sueca retornou com material (quase) inédito. E, apesar do curto espaço de tempo entre um lançamento e outro, este EP não tem nada de prematuro. Produzido por Dave Grohl - que, segundo os próprios músicos suecos, andou fazendo alguns shows com a banda escondido atrás das máscaras do grupo -, If You Have Ghost é um EP de cinco faixas. Quatro delas são versões para canções de outros artistas: a que também batiza o disco é uma composição de Roky Ericsson, “I’m a Marionette” é do ABBA, “Crucified” é do Army of Lovers e “Waiting for the Night” é do Depeche Mode. Completando o tracklist, uma versão ao vivo da valsa satânica “Secular Haze”, presente em Infestissumam. “I’m a Marionette” e “Waiting for the Night” já haviam sido lançadas em uma versão especial do último disco, e a versão para a canção do ABBA foi também o lado B do single “Secular Haze”.

Há de se elogiar a escolha nada óbvia dos covers. E também dos artistas originais que os gravaram, que nada tem a ver com o metal, gênero onde o Ghost está inserido. Com grande personalidade, a banda desconstrói os arranjos originais e imprime uma nova cara para as composições, colocando a sua personalidade nas versões. Isso faz com que os quatro covers soem como canções do próprio Ghost, algo que é difícil de ser alcançado quando se trabalha com a obra criada por outros artistas.

Chama a atenção também o distanciamento que as quatro canções de estúdio apresentam do metal, dando um passo além ao que havia sido apresentado em Infestissumam. O Ghost não soa como um grupo de metal em If You Have Ghost, mas sim como uma banda de rock embebida em doses generosas de psicodelismo e melancolia, características intensificadas, respectivamente, pela parte instrumental e pelas belíssimas linhas vocais de faixas como “If You Have Ghost” e “Crucified”. Se esse é o caminho que o Ghost pretende seguir nos próximos trabalhos, a prévia que eles apresentam neste EP é pra lá de promissora, deixando, desde já, uma expectativa elevada para o seu terceiro disco.

Vale mencionar que Grohl, além de assinar a produção, também tocou bateria em “I’m a Marionette”, mostrando que a sua associação com o Ghost é muito mais profunda do que se supunha no início. E essa relação entre os dois artistas é muito vantajosa para o Ghost, fazendo com que um novo público passe a olhar e a se interessar pela banda.


Eu sei, e você também sabe, que o hype em torno de Papa Emeritus e sua turma é gigantesco. Porém, Tobias Forge - o nome verdadeiro do vocalista que está atrás da máscara do Papa - e seus companheiros dão provas, a cada lançamento, que por maiores que sejam os elogios e a atenção recebidas pela banda, eles são justificados. Opus Eponymous é um ótimo álbum de metal com grande influência de Blue Öyster Cult. Infestissumam mostrou os músicos indo além e inserindo outros elementos na construção de uma sonoridade que deu um passo adiante em relação ao primeiro disco. E em If You Have Ghost essa característica se acentuou, revelando, de uma forma promissora, o caminho que a música do Ghost aparentemente seguirá.

O hype é grande, mas toda a falação em torno do Ghost é justificada: essa é a conclusão ao final da audição de seus três excelentes discos. Que venha logo o dia 21 de agosto, data em que Meliora, novo álbum da banda, chegará às lojas. Enquanto isso, uma passada novamente pelos seus três discos e também pelo primeiro single do novo álbum, “Cirice”, faz a gente ir entrando no clima sombrio e apaixonante proposto pela banda.

Um comentário:

  1. Além da bela sonoridade das músicas, o Ghost tem nas capas de seus discos inspirações de grandes clásssicos do cinema, tais como: Nosferatu, A Hora do Vampiro, Amadeus e agora O Silêncio dos Inocentes. Um trabalho primoroso, a meu ver.

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