sexta-feira, 3 de julho de 2015

Rush e a laranja mecânica


Lançado em 8 de junho de 2012, o décimo-nono trabalho de estúdio do Rush foi gravado em Nashville e Toronto com produção da própria banda e de Nick Raskulinecz, o mesmo do disco anterior, Snakes & Arrows (2007). Clockwork Angels traz doze novas faixas para o amplo catálogo do grupo, sendo que as duas primeiras do álbum - “Caravan” e “BU2B” - já estavam sendo executadas pela banda antes do lançamento, durante a turnê Time Machine, que passou pelo Brasil em outubro de 2010.

Acontece algo interessante com o Rush. Com mais de quarenta anos de carreira - a banda nasceu em 1968, mas só lançou o seu primeiro LP em 1974 -, Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart já experimentaram os mais variados caminhos sonoros. Do hard rock ao prog, passando pela new wave e por composições com excessos de teclados, a banda foi a extremos e acertou a mão na maioria das vezes. Hoje em dia, entretanto, o trio parece se contentar em manter o seu porto seguro dentro do universo do hard, explorando as infinitas possibilidades que o gênero permite. E a experiência de quem sempre ousou com flertes com outros estilos é aplicada de maneira cirúrgica em Clockwork Angels, um trabalho com qualidades para se transformar em um dos discos preferidos dos fãs.

Bastante pesado, Clockwork Angels traz o Rush soando moderno e cheio de energia. As faixas são longas, porém jamais cansativas. As composições são intrincadas, mas sem trechos desnecessários e auto-indulgentes. Todos essas características demonstram a maturidade do trio, ainda mais levando-se em conta que a própria banda produziu o play, ao lado de Raskulinecz. Há pouco de prog em Clockwork Angels. Se você quer um termo para definir como o disco soa, poderia chamá-lo de algo como rock moderno, sem exageros e excessos. Tudo está no lugar e na quantidade certa. 


Lee, Lifeson e Peart acertaram a mão violentamente. A faixa-título arrepia e é uma das melhores composições do Rush em décadas. “The Anarchist” tem um astral que remete aos tempos de Fly by Night (1975) e 2112 (1976) e uma trabalho sensacional de baixo e bateria - uma redundância em se tratanto de Rush, eu sei, porém um elogio necessário. “Carnies” possui ecos de “The Spirit of Radio” em certas passagens - não sei se de forma intencional ou não -, além de uma aula de Alex.

A inspiração é constante. O peso, onipresente. O feeling, inquestionável. As composições são fortes, donas de uma beleza que impressiona. Os flertes com o passado estão em todo o disco. A linda “The Wreckers” tem uma guitarra que remete à British Invasion e belas linhas vocais de Lee e grandes melodias. “Headlong Flight” é, provavelmente, a melhor faixa de Clockwork Angels, e cheira a futuro clássico. Cheia de dinâmicas distintas, mostra o que de melhor o Rush sempre soube fazer: rock pesado e complexo, mas sempre audível. 

Todas as faixas exploram o mesmo tema - a jornada de um jovem por um mundo alternativo, em busca de seus sonhos. Neil Peart se inspirou na obra Candide, escrita por Voltaire no século XVIII. E a coisa foi além: o escritor de ficção científica Kevin J. Anderson (Duna, Arquivo X, Star Wars), amigo de longa data de Peart, escreveu um livro explorando de maneira mais profunda toda a trama criada pelo baterista para o trabalho.

Clockwork Angels é um álbum coeso, forte e cativante, que mostra um Rush focado no presente e com os olhos no futuro, porém sem renegar, em nenhum instante, o seu glorioso passado. 

Envelhecer fazendo música de qualidade é difícil. Envelhecer produzindo rock de qualidade, mais ainda. O Rush, com mais de quatro décadas de carreira, segue relevante e surpreendente, passando por cima e atropelando nomes muito mais novos e, teoricamente, com muito mais energia e apetite para mostrar o seu trabalho.

O ditado “aprenda com os mais velhos” poucas vezes soou tão verdadeiro quanto aqui. 

4 comentários:

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