sexta-feira, 3 de julho de 2015

O nascimento do Lynyrd Skynyrd


Um monstro feroz e faminto, louco para devorar os concorrentes e conquistar o seu território, sem medo e sem dó de ninguém. Essa definição cai como uma luva na estreia do Lynyrd Skynyrd, (pronounced leh-nerd skin-nerd), que chegou às lojas em 13 de agosto de 1973. Natural da Flórida, da cidade de Jacksonville, o grupo formado por sete caipiras casca-grossa entrou de sola no rock norte-americano do início dos anos setenta, aprimorando as influências da Allman Brothers Band e fundindo-as ao blues e ao country, parindo um novo estilo, batizado geograficamente como southern rock.

A banda viveu a sua adolescência e atingiu a sua maturidade nos botecos de beira de estrada do sul dos Estados Unidos, embebida com whisky sem gelo e generosas doses de bacon. O Skynyrd cansou de tocar em bares frequentados por caminhoneiros, motoqueiros e outras tribos má vistas pela sociedade norte-americana, evoluindo a simbiose entre seus músicos, perdendo a virgindade imaculada em espeluncas fedorentas e repletas de testosterona.

Quando chegou para gravar seu primeiro álbum, o grupo sabia exatamente onde queria chegar, e, mais importante, como chegar onde queria. As oito faixas de (pronounced leh-nerd skin-nerd) exalam um frescor e uma força contagiantes, com inspiração e classe surpreendentes para uma banda até então novata. Com todas as letras compostas por Ronnie Van Zant, cantor e alma do Skynyrd, as composições tiveram a sua autoria alternada entre os guitarristas Gary Rossington, Allen Collins e Ed King, demonstrando, já de saída, de onde vinha a usina criativa do conjunto.

A característica contagem de Ronnie, seguida por uma levada de bateria carregada de phaser, antecede o riff clássico de "I Ain´t the One", faixa de abertura do LP e um dos grandes hinos da carreira da banda. O piano de Billy Powell contrasta com as guitarras do trio de ferro, enquanto a cozinha formada pelo baterista Robert Burns e pelo baixista Leon Wilkerson (que tocava com a banda antes do álbum ser gravado, saiu por um breve período e retornou após a gravação do disco - o instrumento é executado pelo guitarrista Ed King no play) dá o tom certo para o groove desconcertante de "I Ain´t the One".

"Tuesday´s Gone" é a primeira das três baladas inesquecíveis presentes no disco. Com sua melodia levada no slide de Rossington, é uma espécie de irmã gêmea de "Free Bird". Ronnie canta carregado de sentimento, com sua voz anasalada derramando sensações sobre nossos ouvidos. A parte central da faixa, com uma belíssima passagem instrumental que começa com um pequeno solo de Powell e termina em uma orquestração, é um dos momentos mais brilhantes e arrepiantes da carreira do Skynyrd.

Mas assim como sabia fazer baladas como poucos, quando resolvia que o negócio era o rock o Skynyrd também soava de forma ímpar. "Gimme Three Steps" prova isso de maneira exemplar, com um riff repleto de groove, levado por Gary Rossington novamente em seu slide. Um dos pontos altos dos shows da banda, "Gimme Three Steps" está no mesmo patamar de canções como "Saturday Night Special" e "Working for MCA", faixas que estão marcadas no DNA de qualquer fã de southern rock.


O dedilhado antológico de guitarra que abre "Simple Man" tem o poder, até os dias de hoje, de transportar para outros mundos qualquer alma com um mínimo de sentimento, escalando suas notas como escadarias para o céu, voando cada vez mais alto. Por si só "Simple Man" já é uma canção que leva os mais sensíveis às lágrimas, com sua letra confessional cantada por Ronnie com o coração na boca. Mas, ao assistir ao documentário Free Bird - The Movie, que mostra um dos últimos shows do grupo, tocando no lendário Festival de Knebworth eam 1977 abrindo para os Rolling Stones e que tem em seu encerramento "Simple Man" rolando sobre cenas amadoras feitas pelos próprios músicos, mostrando a banda na intimidade, é de deixar qualquer fã aos prantos. Destaque para a levada de bateria de Robert Burns, sensacional com suas viradas e ataques aos pratos e na caixa.

Entre "Simple Man" e "Free Bird", que encerra o LP, temos três faixas não muito badaladas, mas que são provas irrefutáveis do talento do conjunto. "Things Goin´ On" nos transporta para um cabaré no meio do Alabama, repleto de desinibidas dançarinas mostrando suas cintas-ligas sem pudor nem vergonha. A acústica "Mississippi Kid" parece nascida no meio de uma plantação no sul dos Estados Unidos, entre trabalho pesado, sol escaldante e uma vontade irresistível de estar em outro lugar. E "Poison Whiskey" tem no excelente riff de Ed King seu melhor momento, enquanto Ronnie canta os perigos de se beber um whisky batizado pelo próprio demo.

Fechando (pronounced leh-nerd skin-nerd) está ninguém menos que "Free Bird", o maior hino da carreira do Lynyrd Skynyrd, faixa suprema do southern rock, composição que mostra todo o poder de fogo da parede altamente inflamável formada pelas três guitarras de Rossington, Collins e King. Uma canção divina, um momento de inspiração daqueles que, quando muito, se tem apenas uma vez na vida, "Free Bird" desafia adjetivos, interpretações e tentativas de transpor para o papel o que suas notas nos fazem sentir. Contemplativa, riquíssima musicalmente, frágil e comovente, é o testamento do Skynyrd escrito já em seu nascimento. Uma faixa sem parâmetros no rock, sem igual nas mais de seis décadas de vida do estilo criado por Chuck Berry e traduzido para as plateias brancas e racistas norte-americanas por Elvis Presley. Sua introdução com a melodia levada por Rossington no slide antecede uma explosão sonora estupenda, onde Allen Collins faz o solo de sua vida em quase cinco minutos de notas faiscantes e que rasgam o ar, tornando reais cores, almas e todos os demais seres que vivem nesse mundo e em todos os outros.

(pronounced len-nerd skin-nerd) foi uma estreia que fez brilhar os olhos dos amantes do rock, nos EUA e em todo o mundo. A expectativa se cumpriu em álbuns excelentes como Second Helping (1974, que tem o maior hit do grupo, a imortal "Sweet Home Alabama") e em pelo menos mais uma obra-prima, o canto do cisne Street Survivors, lançado no dia 17 de outubro de 1977, três dias antes do fatídico dia 20, data do trágico acidente aéreo que vitimou a banda e matou Ronnie Van Zant, o novato e promissor guitarrista Steve Gaines e sua irmã Cassie Gaines (backing vocal do grupo). Mas isso é assunto para outro dia.

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