terça-feira, 28 de julho de 2015

Quando Miles Davis levou o jazz ao encontro do rock


Em meados dos anos 1960 existia uma rixa - ainda que indireta - entre o jazz e o rock. Enquanto os músicos de jazz se ressentiam de perder sua estabilidade nas paradas para os novos nomes do rock como os Beatles e os Stones, os rockeiros se irritavam com o nariz empinado com que os jazzistas se colocavam diante deles, chamando-os de instrumentistas de segunda classe ou, na melhor das hipóteses, músicos inexperientes demais. 

Se a partir de 1966/1967 o rock começou a incorporar - ainda que de maneira lenta, é verdade - elementos jazzísticos em sua alquimia, dando o pontapé inicial para o nascimento do que iria ser o rock progressivo, o jazz sofria com uma espécie de bloqueio em incorporar melodias ligadas ao rhythm´n´blues e ao folk, principalmente pelo fato de os artistas mais tradicionais - e parte da crítica especializada no gênero - pensarem que assim estariam dando um atestado público de que o estilo precisava de mudanças. Muitos achavam que essa união seria longa, gradativa e dolorosa.

Porém, coube a Miles Davis, de novo e mais uma vez, o pioneirismo e a ousadia de fazer essa união de forma radical, grandiosa e genial. Davis, cansado da mesmice estética na qual o jazz se encontrava, começou a estudar uma nova abordagem e uma nova forma de se apresentar para o seu público. Em agosto de 1969 reuniu um grupo de talentosíssimos músicos e decidiu unir o jazz a elementos africanos, como o blues, o funk e um certo tempero latino. A partir daí nasceria um dos discos mais influentes, geniais e polêmicos da história da música. Bitches Brew seria responsável pelo nascimento de um novo estilo de jazz, o fusion, que por sua vez se constituiria em uma das principais influências de boa parte do rock progressivo da primeira metade da década de 1970.

Em seus quase 100 minutos, o que vemos é um artista despedaçando e reconstruindo um gênero musical de forma genial e poucas vezes vista. Temos a bombástica "Pharaoh´s Dance" e a antológica faixa-título, altamente introspectiva e com algumas explosões sonoras. Vemos Miles utilizar o talento de seus músicos de forma quase obsessiva, seja pela empolgante "Sanctuary" e, mais especificamente, em "Miles Runs the Voodoo Down", que mescla de forma impressionante o blues, o jazz e uma pitada de música africana quatorze minutos de pura magia sonora. Uma dica: fiquem atentos nessa faixa aos solos do sax de Wayne Shorter e do teclado de Chick Corea, absolutamente arrasadores.

O grande prazer de ouvir o álbum é perceber que Miles, além de só chamar instrumentistas de primeira linha, fazia muito bom uso deles, utilizando suas capacidades muitas vezes à exaustão. Dizem que na faixa "John McLaughlin" o excelente guitarrista cuja canção foi batizada com o seu nome ouvia poucas e boas de Davis por, na opinião de Miles, não estar explorando todo o seu talento.


Ao ser lançado, Bitches Brew causou um estardalhaço, tanto na crítica quanto no público. Ambos ficaram extremamente divididos, classificando o trabalho tanto de inovador e brilhante como de pretensioso e desnecessário. Apesar das controvérsias, ou por causa delas, Bitches Brew alcançou o top 10 norte-americano, vendendo mais de 500 mil cópias, um feito impressionante para um álbum de jazz.

Para o rock progressivo o impacto não foi menor. Muitos músicos de prog rock (Robert Fripp, Robert Wyatt, John Wetton, Bill Brufford, Phil Collins, entre muitos outros) afirmam que Bitches Brew influenciou, e muito, a direção musical que seguiriam posteriormente. Além disso, a própria cena progressiva viria a ser muito influenciada pelo fusion, com bandas incorporando elementos daquela nova e inovadora musicalidade em seu DNA. O King Crimson de 1972-74 e o Soft Machine pós-1970 são os exemplos mais evidentes.

Após Bitches Brew, Miles Davis ficaria ainda mais extremo, explorando em sua totalidade as possibilidades do fusion, lançando os excelentes On the Corner (1972) e Get Up With It (1974), além de fazer o caminho inverso e fazer o rock soar como jazz em A Tribute to Jack Johnson, de 1971. Todos álbuns excelentes, porém sem o mesmo impacto comercial e cultural causado pelo disco de 1969, um verdadeiro divisor de águas em sua carreira.

2 comentários:

  1. Ricardo, o Bitches Brew é meu trabalho preferido do Miles, eu lí em outro texto seu que quase rolou um encontro com o jimi hendrix, eu fico imaginando como seria esse disco até hoje. O trabalho no Bitches é soberbo, desde os músicos envolvidos ao trabalho gráfico. Acredito que nos dias de hoje, gravadora nenhuma investiria tanta grana em um álbum. Abs!

    ResponderExcluir
  2. Estou conhecendo historias que todo amante do Jazz, Blues, Rock etc, deveria conhecer. Passei a saber nomes de musicas, albums, artistas, instrumentalistas, e feitos que nunca sequr forram referenciados em muitas estacoes de radios. Muitississimo O-BRI-GA-DOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO.

    ResponderExcluir

About Us

Recent

Random