sexta-feira, 17 de julho de 2015

Judas Priest e os ventos que mudaram o destino do heavy metal

15:38

Estamos no início de 1976, e as coisas ainda não são como passariam a ser. O Black Sabbath já havia pavimentado, com os seus seis primeiros discos, o caminho pelo qual milhões de cabeças bateriam nos anos seguintes. O Led Zeppelin já havia deixando o mundo de quatro com os seus seis primeiros capítulos, e preparava-se para colocar Presence nas lojas. O Deep Purple havia passado por mudanças de formação, por um renascimento e por sua primeira implosão. E nomes como Thin Lizzy, UFO e Rainbow preparavam-se para alçar seus vôos definitivos. No entanto, nenhuma destas bandas havia conseguido fazer o que o Judas Priest fez com o seu segundo disco.

Lançado em 23 de março de 1976, Sad Wings of Destiny apresentou um novo tipo de música, trazendo uma novidade definitiva para a música pesada. A banda de Rob Halford fez o que ninguém tinha feito antes: afastou o heavy metal de maneira definitiva de suas raízes blues. E essa mudança foi fundamental, crucial e determinante para o desenvolvimento que o gênero passaria nos anos seguintes.

A faixa de abertura, a fenomenal “Victim of Changes”, já deixava os cabelos em pés e os ouvidos atentos. Repleta de mudanças de andamento e alternâncias de dinâmica, trata-se de uma espécie de suíte com seus quase 8 minutos, que abriram um novo caminho na cena. Não há nela a sombra do blues, os riffs inspirados no estilo nascido nos campos de algodão dos Estados Unidos. A coisa aqui é outra, a conversa aqui é diferente. As guitarras despejam melodia como nunca haviam despejado antes, mas sem perder o apelo soturno e o ar sombrio onipresentes no heavy metal. E essa característica mantém-se em todo o disco, em canções imortais como “The Ripper”, “Tyrant" e “Genocide”. 

Climáticas e teatrais, as nove faixas de Sad Wings of Destiny abriram as portas do metal para um novo universo, deixando para trás a influência do Black Sabbath e mostrando outra possibilidade. Essa mudança se intensificou e se popularizou de maneira rápida, através de nomes como os já citados Rainbow e UFO, mas, principalmente e de maneira definitiva, com a New Wave of British of Heavy Metal. Tendo o Iron Maiden à frente, toda uma nova geração de bandas inglesas tornou a melodia parte dominante de suas músicas, alterando o DNA do estilo e influenciado tudo que veio depois. Porém, isso só foi possível porque o Judas Priest fez soprar os ventos tristes do destino sobre o mundo.

O impacto do Judas foi muito além do aspecto sonoro, invadindo o figurino e recheando-o com doses generosas de couro, rebites e tachinhas, cujas origens remetem ao universo gay sadomasoquista, inspiração maior de Halford para as suas roupas. Mas isso é assunto para outro texto.


Se hoje o metal soa como soa, muito se deve à Rob, Glenn e K.K. 

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sexta-feira, 3 de julho de 2015

Rush e a laranja mecânica

16:54

Lançado em 8 de junho de 2012, o décimo-nono trabalho de estúdio do Rush foi gravado em Nashville e Toronto com produção da própria banda e de Nick Raskulinecz, o mesmo do disco anterior, Snakes & Arrows (2007). Clockwork Angels traz doze novas faixas para o amplo catálogo do grupo, sendo que as duas primeiras do álbum - “Caravan” e “BU2B” - já estavam sendo executadas pela banda antes do lançamento, durante a turnê Time Machine, que passou pelo Brasil em outubro de 2010.

Acontece algo interessante com o Rush. Com mais de quarenta anos de carreira - a banda nasceu em 1968, mas só lançou o seu primeiro LP em 1974 -, Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart já experimentaram os mais variados caminhos sonoros. Do hard rock ao prog, passando pela new wave e por composições com excessos de teclados, a banda foi a extremos e acertou a mão na maioria das vezes. Hoje em dia, entretanto, o trio parece se contentar em manter o seu porto seguro dentro do universo do hard, explorando as infinitas possibilidades que o gênero permite. E a experiência de quem sempre ousou com flertes com outros estilos é aplicada de maneira cirúrgica em Clockwork Angels, um trabalho com qualidades para se transformar em um dos discos preferidos dos fãs.

Bastante pesado, Clockwork Angels traz o Rush soando moderno e cheio de energia. As faixas são longas, porém jamais cansativas. As composições são intrincadas, mas sem trechos desnecessários e auto-indulgentes. Todos essas características demonstram a maturidade do trio, ainda mais levando-se em conta que a própria banda produziu o play, ao lado de Raskulinecz. Há pouco de prog em Clockwork Angels. Se você quer um termo para definir como o disco soa, poderia chamá-lo de algo como rock moderno, sem exageros e excessos. Tudo está no lugar e na quantidade certa. 


Lee, Lifeson e Peart acertaram a mão violentamente. A faixa-título arrepia e é uma das melhores composições do Rush em décadas. “The Anarchist” tem um astral que remete aos tempos de Fly by Night (1975) e 2112 (1976) e uma trabalho sensacional de baixo e bateria - uma redundância em se tratanto de Rush, eu sei, porém um elogio necessário. “Carnies” possui ecos de “The Spirit of Radio” em certas passagens - não sei se de forma intencional ou não -, além de uma aula de Alex.

A inspiração é constante. O peso, onipresente. O feeling, inquestionável. As composições são fortes, donas de uma beleza que impressiona. Os flertes com o passado estão em todo o disco. A linda “The Wreckers” tem uma guitarra que remete à British Invasion e belas linhas vocais de Lee e grandes melodias. “Headlong Flight” é, provavelmente, a melhor faixa de Clockwork Angels, e cheira a futuro clássico. Cheia de dinâmicas distintas, mostra o que de melhor o Rush sempre soube fazer: rock pesado e complexo, mas sempre audível. 

Todas as faixas exploram o mesmo tema - a jornada de um jovem por um mundo alternativo, em busca de seus sonhos. Neil Peart se inspirou na obra Candide, escrita por Voltaire no século XVIII. E a coisa foi além: o escritor de ficção científica Kevin J. Anderson (Duna, Arquivo X, Star Wars), amigo de longa data de Peart, escreveu um livro explorando de maneira mais profunda toda a trama criada pelo baterista para o trabalho.

Clockwork Angels é um álbum coeso, forte e cativante, que mostra um Rush focado no presente e com os olhos no futuro, porém sem renegar, em nenhum instante, o seu glorioso passado. 

Envelhecer fazendo música de qualidade é difícil. Envelhecer produzindo rock de qualidade, mais ainda. O Rush, com mais de quatro décadas de carreira, segue relevante e surpreendente, passando por cima e atropelando nomes muito mais novos e, teoricamente, com muito mais energia e apetite para mostrar o seu trabalho.

O ditado “aprenda com os mais velhos” poucas vezes soou tão verdadeiro quanto aqui. 

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