segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Um disco por dia: Buffalo Killers - Dig. Sow. Love. Grow. (2012)

18:41

Eu poderia começar este texto afirmando que o quarto disco da banda norte-americana Buffalo Killers, Dig. Sow. Love. Grow., é uma grata surpresa. Mas o fato é que o trio formado por Andrew Gabbard (vocal, guitarra e piano), Zachary Gabbard (vocal e baixo) e Joseph Sebaali (bateria) já é conhecido por aqueles ouvintes que não se contentam apenas com o que lhes é vendido e gostam de pesquisar e ir atrás das boas novidades musicais. Ou melhor, deveria ser.

Dig. Sow. Love. Grow. tem cara de pérola perdida. Sabe aquelas matérias especiais que mergulham fundo nos porões mais empoeirados das décadas de 1960 e 1970 e saem com indicações certeiras de discos e bandas sensacionais e que pouquíssima gente ouviu falar? Aqui acontece a mesma coisa, mas com uma diferença: o Buffalo Killers é uma banda atual e está em pleno amadurecimento, construindo uma sonoridade cada vez mais rica e cativante.

Formada em Cincinnati, Ohio, em 2006, o trio já tem uma discografia de respeito. O primeiro play, batizado apenas com o nome do grupo, saiu em 2006 e chamou a atenção de Chris Robinson, que colocou os caras para abrir a turnê de 2007 do Black Crowes. O segundo, Let It Ride (2008), foi produzido por Dan Auerbach, vocalista e guitarrista do Black Keys. E o terceiro, intitulado apenas 3, saiu em agosto de 2011, mantendo o alto nível. Fechando a discografia, Heavy Reverie chegou às lojas em maio de 2014.

Há uma notável influência de Black Crowes em Dig. Sow. Love. Grow., mas também de diversos outros nomes do rock setentista. É possível ouvir ecos de Faces, James Gang e até alguma coisa dos Eagles em algumas passagens. Mas não espere encontrar um remake destas bandas, com uma sonoridade propositadamente saudosista, que apenas emula o que de melhor foi produzido durante a década de 1970. Não, o papo aqui é outro. O Buffalo Killers mostra talento e personalidade, entrando sem medo em uma máquina do tempo sonora e saindo de lá com composições fortes e criativas, repletas de timbres gordos e andamentos espertos, que conquistam quem quer, no final das contas, ouvir apenas aquilo que realmente importa: um bom disco de rock. E Dig. Sow. Love. Grow. é um senhor disco, que alterna faixas mais agitadas com outras que se aproximam do blues, do country e da psicodelia multi-colorida. Aliás, a aproximação com o country dá um aspecto bem rural e agreste para a maioria das faixas. 

Sem um hype gigantesco, sem pressão por resultados, sem expectativas mirabolantes, Sebaali e os irmãos Gabbard gravaram um álbum repleto de ótimas canções, cheias feeling e autenticidade. Tudo soa orgânico e com alma.

Dig. Sow. Love. Grow. não vai revolucionar nada, não vai figurar nas paradas e muito menos mudar o mundo. Porém, proporciona algo tão importante quanto: é daqueles trabalhos que vão nos conquistando aos poucos, com canções de qualidade e uma verdade que transborda pelos sulcos. Enfim, apenas um bom disco de rock. Simples assim.

Todos os dias, um review analisando um título da minha coleção. Leia no volume máximo, com a air guitar plugada.

Detrito Federal, um clássico do punk rock brasileiro

17:12

A cena rock de Brasília da década de 1980 não era formada apenas por nomes como Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude. Uma das bandas mais cultuadas dessa época, mas que acabou não alcançando o sucesso nacional do trio citado acima, foi o Detrito Federal. Seu primeiro álbum, Vítimas do Milagre, lançado em 1987, é um clássico incontestável do punk rock brasileiro.

O grupo nasceu em 1983, de uma dissidência do também punk Derrame Cerebral, de onde saíram o vocalista Alexandre "Podrão" Veiga e o guitarrista João Bosco. A dupla uniu forças com a baixista Mila Menezes (que mais tarde integraria o Volkana) e o baterista Paulo César "Cascão".

O primeiro registro do grupo foi na compilação Rumores, lançada pelo selo Sebo do Disco em 1985. O Detrito Federal participou com as faixas "Fim de Semana" e "Desempregado". Os outros grupos presentes foram o Finis Africae, a Elite Sofisticada e a Escola de Escândalos. Esse LP é bastante raro de se encontrar hoje em dia, já que foram prensadas apenas 1.000 cópias do mesmo.

Apesar da boa repercussão, no final de 1985 Mila e Bosco deixam a banda. Seus postos são preenchidos pelo guitarrista Will Pontes e pelo baixista Paulinho. Ainda como reflexo da ótima impressão causada pela coletânea Rumores, em janeiro de 1986 o Detrito Federal participa do Mixto Quente, da Rede Globo, programa esse que era transmitido diretamente das praias do Rio de Janeiro para todo o país. A participação solidifica a reputação da banda e projeta seu nome para um número maior de ouvintes, ao mesmo tempo em que causa um racha no conjunto, com o vocalista Alexandre Podrão deixando a banda e acusando os membros restantes de "traidores do movimento", já que eles teriam "se vendido para o sistema". Podrão junta-se ao ex-guitarrista Bosco, e juntos montam o BSB-H.

Cascão decide assumir os vocais, e Luciano Dobal vira o titular da bateria. Nessa confusão toda, outro que pula fora do barco é o baixista Paulinho, sendo substituído por Milton Medeiros. Sob a liderança de Cascão, o Detrito Federal faz algumas mudanças em seu som e torna-se menos radical, deixando de lado o visual punk e aproximando-se da sonoridade dos grupos de Brasília que estavam estourando no Brasil naquela época, como Legião, Plebe e Capital.

O line-up é novamente alterado, com a entrada de Simone Death (ou Si Young, aquela mesmo que, anos mais tarde, ficaria famosa em todo o Brasil como Syang no programa Casa dos Artistas, do SBT) e Mauro Manzolli nas guitarras e Deborah Derwish na bateria. Finalmente estabilizados, assinam com a Polygram e entram em estúdio para gravar o seu disco de estreia, produzido pelo baterista dos Titãs, Charles Gavin, e batizado como Vítimas do Milagre.


Lançado em 1987 e contando com uma capa pra lá de provocativa, o play apresenta um som vigoroso e agressivo, com canções simples construídas sobre três acordes. O principal destaque são as letras, repletas de ironia e inteligência. O álbum abre com a grudenta "Se o Tempo Voltasse", cuja ótima letra possui a clássica frase "se o seu pai pudesse escolher, você acha que o filho seria você?". De arrepiar quem viveu naquela época e tinha o disco como uma das trilhas sonoras da sua adolescência.

O play segue com "Adolescência", poema de Paulo Leminski musicado pelo grupo. "O Vírus do Ipiranga" é uma pérola do rock brazuca, um petardo cuja letra faz uma crítica feroz e certeira ao Brasil, tendo como base a letra do hino nacional. Ouça e delicie-se! "Sun City" tem um bom riff de Syang e um andamento mais funkeado, enquanto "Bloco K" é o retrato fiel dos jovens brasilienses do período.

O lado B abre com "Último Grito", cadenciada e com influências da new wave. A faixa título une o punk com algumas características country, e, mais uma vez, a letra merece destaque. A agressiva e chiclete "Tá Com Nada" é um dos grandes destaques do disco, e ouvir sua letra imaginando que situações e personagens atuais poderiam substituir os citados é um retrato, infelizmente verdadeiro, da realidade do nosso país. O disco fecha com a pauleira de "Angra (A Dança das Ogivas)", que critica as usinas nucleares instaladas pelo governo militar na cidade de Angra dos Reis.

Vítimas do Milagre alcançou boas vendas - cerca de 50 mil cópias -, e levou a banda a tocar em programas de repercussão nacional, como Perdidos na Noite e Clube do Bolinha. Infelizmente, até onde eu sei o álbum não foi relançado em CD, estando disponível apenas através do vinil original de 1987.

Apesar da boa receptividade do disco, a Polygram dispensou o grupo, o que gerou uma nova debandada geral. Simone Death virou Syang e formou o P.U.S., Milton Medeiros foi para o Rio de Janeiro estudar produção musical na escola de Antônio Adolfo e Deborah foi morar nos Estados Unidos. Mesmo assim, o Detrito Federal manteve-se ativo com inúmeras formações ao longo dos anos, e chegou a lançar mais dois discos (o EP Guerra, Guerrilha, Revolução em 2002 e o CD 1983, em 2005), ambos com momentos interessantes, mas inferiores à sua estreia.

Nunca ouviu o Detrito Federal? Então aproveite esse texto e vá atrás de Vítimas do Milagre, um dos maiores clássicos da história do punk rock brasileiro. Você não vai se arrepender.

Emicida - Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa (2015)

11:52

Após a boa recepção ao seu álbum de estreia, O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui (2013), Emicida retorna inspirado em seu segundo disco, Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa. O rapper soa mais maduro e com uma musicalidade ainda mais ampla, explorando uma gama maior de influências e inserindo em seu caldeirão sonoro novos ingredientes. As letras mantém a onipresente crítica social, na maior parte das vezes de uma maneira agressiva e bastante direta. Em uma comparação rápida com a obra do chapa Criolo, o outro principal nome do atual hip-hop brasileiro, o discurso de Emicida soa mais raivoso e menos irônico e ácido do que o do autor de Convoque Seu Buda, em um contraste que soa complementar ao mostrar as possibilidades de caminhos distintos para transmitir uma mensagem semelhante.

Emicida surpreende ao iniciar Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa não com um possível single, mas com uma canção calma e contemplativa, onde olha para o passado e homenageia Dona Jacira, sua mãe. Intitulada “Mãe”, a faixa é de uma beleza tocante, principalmente o trecho final, onde a própria mãe do artista recorda as memórias e sentimentos de quando menino nasceu. Uma das mais belas composições de Emicida, é um início de arrepiar para um disco que só cresce em seu decorrer.

Não conseguindo errar, Emicida mantém a qualidade no alto em um desfile consistente de faixas. “8" derrama groove e embala uma letra inspirada, enquanto “Casa" utiliza vozes infantis em um refrão que arrepia até a alma. Os pequenos interlúdios, como as belas “Amoras" e “Sodade”, funcionam como paradas estratégias que apresentam novos capítulos do álbum. 

Bebendo na fonte eterna de Jorge Ben, “Mufete" é uma das melhores do disco, com um embalo que é puro samba rock. “Baiana" vem a seguir e traz uma desnecessária participação de Caetano Veloso, que pouco aparece na canção. Vanessa da Mata bate ponto na meiga “Passarinhos”, talvez a canção menos inspirada do trabalho, ao lado de “Baiana”. 

A parte final do play conta com uma desfile de composições de fortíssimo questionamento social, retratando a ebulição que vivemos no Brasil, cada vez mais dividido, cada vez mais perdido em discussões políticas que apenas disfarçam a troca do seis por meia dúzia. A pesada “Boa Esperança” é puro brilhantismo, seguida pelo indignado discurso do escritor pernambucano Marcelino Freire em “Trabalhadores do Brasil”, que retrata o cotidiano dos negros a partir de diversas perspectivas. Uma introdução perfeita para a longa “Mandume”, a principal faixa do Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa, onde Emicida divide os vocais com Drika Barbosa, Amiri, Rico Dasalam, Muzzike e Raphão Alaafin em mais de oito minutos que funcionam como um manifesto inteligente e repleto de autenticidade que retrata o preconceito racial de uma maneira ao mesmo tempo inspirada e triste, tornando impossível não questionar, afinal, porque um país como o Brasil, que tem a miscigenação incrustada de maneira profunda em sua história, não consegue olhar para o próprio umbigo e entregar oportunidades iguais para todos os seus filhos.

O samba rock retorna à ordem do dia em “Salve Black”, que encerra o disco com alto astral e transbordando a esperança e o sonho de viver em um país melhor, cada vez mais.

Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa é um disco mais maduro e consistente que O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui, que já era muito bom. Em seu novo álbum, Emicida solidifica a sua posição no atual cenário brasileiro, funcionando como catalisador dos anseios, sonhos e questionamentos de uma enorme parcela da população brasileira. A crescente popularidade do músico só torna ainda mais forte os porquês levantados pelo rapper, levando as suas perguntas a um número ainda maior de pessoas - ainda bem, por sinal.

Um disco necessário, e que retrata com grande destreza o momento que vivemos. 

Até agora, o grande álbum brasileiro de 2015.

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