sexta-feira, 3 de julho de 2015

Rush e a laranja mecânica

16:54

Lançado em 8 de junho de 2012, o décimo-nono trabalho de estúdio do Rush foi gravado em Nashville e Toronto com produção da própria banda e de Nick Raskulinecz, o mesmo do disco anterior, Snakes & Arrows (2007). Clockwork Angels traz doze novas faixas para o amplo catálogo do grupo, sendo que as duas primeiras do álbum - “Caravan” e “BU2B” - já estavam sendo executadas pela banda antes do lançamento, durante a turnê Time Machine, que passou pelo Brasil em outubro de 2010.

Acontece algo interessante com o Rush. Com mais de quarenta anos de carreira - a banda nasceu em 1968, mas só lançou o seu primeiro LP em 1974 -, Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart já experimentaram os mais variados caminhos sonoros. Do hard rock ao prog, passando pela new wave e por composições com excessos de teclados, a banda foi a extremos e acertou a mão na maioria das vezes. Hoje em dia, entretanto, o trio parece se contentar em manter o seu porto seguro dentro do universo do hard, explorando as infinitas possibilidades que o gênero permite. E a experiência de quem sempre ousou com flertes com outros estilos é aplicada de maneira cirúrgica em Clockwork Angels, um trabalho com qualidades para se transformar em um dos discos preferidos dos fãs.

Bastante pesado, Clockwork Angels traz o Rush soando moderno e cheio de energia. As faixas são longas, porém jamais cansativas. As composições são intrincadas, mas sem trechos desnecessários e auto-indulgentes. Todos essas características demonstram a maturidade do trio, ainda mais levando-se em conta que a própria banda produziu o play, ao lado de Raskulinecz. Há pouco de prog em Clockwork Angels. Se você quer um termo para definir como o disco soa, poderia chamá-lo de algo como rock moderno, sem exageros e excessos. Tudo está no lugar e na quantidade certa. 


Lee, Lifeson e Peart acertaram a mão violentamente. A faixa-título arrepia e é uma das melhores composições do Rush em décadas. “The Anarchist” tem um astral que remete aos tempos de Fly by Night (1975) e 2112 (1976) e uma trabalho sensacional de baixo e bateria - uma redundância em se tratanto de Rush, eu sei, porém um elogio necessário. “Carnies” possui ecos de “The Spirit of Radio” em certas passagens - não sei se de forma intencional ou não -, além de uma aula de Alex.

A inspiração é constante. O peso, onipresente. O feeling, inquestionável. As composições são fortes, donas de uma beleza que impressiona. Os flertes com o passado estão em todo o disco. A linda “The Wreckers” tem uma guitarra que remete à British Invasion e belas linhas vocais de Lee e grandes melodias. “Headlong Flight” é, provavelmente, a melhor faixa de Clockwork Angels, e cheira a futuro clássico. Cheia de dinâmicas distintas, mostra o que de melhor o Rush sempre soube fazer: rock pesado e complexo, mas sempre audível. 

Todas as faixas exploram o mesmo tema - a jornada de um jovem por um mundo alternativo, em busca de seus sonhos. Neil Peart se inspirou na obra Candide, escrita por Voltaire no século XVIII. E a coisa foi além: o escritor de ficção científica Kevin J. Anderson (Duna, Arquivo X, Star Wars), amigo de longa data de Peart, escreveu um livro explorando de maneira mais profunda toda a trama criada pelo baterista para o trabalho.

Clockwork Angels é um álbum coeso, forte e cativante, que mostra um Rush focado no presente e com os olhos no futuro, porém sem renegar, em nenhum instante, o seu glorioso passado. 

Envelhecer fazendo música de qualidade é difícil. Envelhecer produzindo rock de qualidade, mais ainda. O Rush, com mais de quatro décadas de carreira, segue relevante e surpreendente, passando por cima e atropelando nomes muito mais novos e, teoricamente, com muito mais energia e apetite para mostrar o seu trabalho.

O ditado “aprenda com os mais velhos” poucas vezes soou tão verdadeiro quanto aqui. 

Os melhores discos lançados em junho segundo o Heavy Metal About

11:55

A alta qualidade dos lançamentos de junho tornou difícil a confecção deste top 5. No fim, o High on Fire triunfou com o seu mais recente disco. O restante da lista combina algumas bandas veteranas com outras menos conhecidas e que têm tudo para construir um futuro brilhante. Abaixo está a lista com os melhores álbuns de heavy metal lançados em junho de 2015.


High on Fire - Luminiferous

Os riffs de Matt Pike sempre foram a característica dominante do High on Fire, mas em Luminiferous este protagonismo divide espaço com a seção rítmica. A bateria de Des Kensel soa apocalíptica, e o baixo de Jeff Matz cimenta as batidas de Kensel. Juntos, eles forjam uma cozinha que soa como o choque de asteróides gigantes. Não há performances fracas assim como não existem faixas fracas em Luminiferous. Como os cães latindo ao localizar suas presas e os guardas da prisão devolvendo seus fugitivos, o novo álbum do High on Fire deixa tudo para trás em cinzas ardentes. Nós, os inocentes, somos testemunhas do melhor disco da banda.


Paradise Lost - The Plague Within

The Plague Within é o disco mais pesado da carreira do Paradise Lost. As guitarras são esmagadoras, e Nick Holmes nunca soou tão gutural antes. “Terminal" e “Flesh From Bone” são destaques óbvios, e transmitem a mensagem de que a banda não terá nenhuma misericórdia. Não consigo pensar em muitos nomes que lançaram um registro tão relevante e forte tendo mais de 25 anos de carreira. Um disco que é um presente para os fãs, que clamavam por um retorno da sonoridade mais agressiva dos ingleses.


Vattnet Viskar - Settler

Christa McAuliffe, a “professora do espaço” que faleceu quando o ônibus espacial Challenger explodiu 73 segundos após a sua decolagem, em 1986, é a inspiração para este disco. O cantor e guitarrista Nick Thornbury afirmou que quando viu a foto original - que é também a capa do álbum -, a imagem tornou-se a sua principal fonte de inspiração. Essa influência é fácil de ouvir em Settler, um registro que varia entre momentos de crescente euforia, melodias flutuantes e ritmos furiosos. A faixa de abertura, “Dawnlands”, inicia com uma explosão de feedback e percussão, e em seguida lança uma cacofonia enegrecida sobre o ouvinte. O disco traz uma sensação de liberdade, transmitindo a alegria da exploração, da leveza pura e da antecipação.


Cloud Rat - Qliphoth

O que temos aqui é uma nuvem eclética de hardcore poderoso e grindcore, com uma mensagem que está em falta no restante da cena. Em Qliphoth, este quarteto temível chuta todas as portas, mas isso não significa que não possamos ter alguns momentos mais atmosféricos onde o conteúdo lírico vem à tona. O resultado é uma atmosfera influenciada pelo Kylesa, vocais no estilo de Rorschach, com a intensidade do Converge e o ruído do Sonic Youth. O Cloud Rat opera em um nível nada simples de explicar. Se você curte alguma seriedade na música extrema, ouvir a banda é uma obrigação.


Abyssal - Antikatastaseis

A menos que você seja um fã super familiarizado com o death metal underground, você provavelmente nunca ouviu a banda inglesa Abyssal. Seus dois primeiros discos foram lançados de forma independente, e eles não se apresentam ao vivo nem dão entrevistas. Mas isso está prestes a mudar com o lançamento deste terceiro disco, que saiu pela Profound Lore Records. O som é grandioso, combinando o esmagamento do death com muita atmosfera e ambientação. É brutal, com ruídos death metal intelingíveis fincados profundamente na mistura. Há também passagens cheias de groove e influências de doom, o que faz com o ritmo mude constantemente. Um som extremo, técnico, extremanente musical e com arranjos de qualidade, que resulta em um álbum de death metal muito convincente.

(matéria traduzida)

O nascimento do Lynyrd Skynyrd

10:26

Um monstro feroz e faminto, louco para devorar os concorrentes e conquistar o seu território, sem medo e sem dó de ninguém. Essa definição cai como uma luva na estreia do Lynyrd Skynyrd, (pronounced leh-nerd skin-nerd), que chegou às lojas em 13 de agosto de 1973. Natural da Flórida, da cidade de Jacksonville, o grupo formado por sete caipiras casca-grossa entrou de sola no rock norte-americano do início dos anos setenta, aprimorando as influências da Allman Brothers Band e fundindo-as ao blues e ao country, parindo um novo estilo, batizado geograficamente como southern rock.

A banda viveu a sua adolescência e atingiu a sua maturidade nos botecos de beira de estrada do sul dos Estados Unidos, embebida com whisky sem gelo e generosas doses de bacon. O Skynyrd cansou de tocar em bares frequentados por caminhoneiros, motoqueiros e outras tribos má vistas pela sociedade norte-americana, evoluindo a simbiose entre seus músicos, perdendo a virgindade imaculada em espeluncas fedorentas e repletas de testosterona.

Quando chegou para gravar seu primeiro álbum, o grupo sabia exatamente onde queria chegar, e, mais importante, como chegar onde queria. As oito faixas de (pronounced leh-nerd skin-nerd) exalam um frescor e uma força contagiantes, com inspiração e classe surpreendentes para uma banda até então novata. Com todas as letras compostas por Ronnie Van Zant, cantor e alma do Skynyrd, as composições tiveram a sua autoria alternada entre os guitarristas Gary Rossington, Allen Collins e Ed King, demonstrando, já de saída, de onde vinha a usina criativa do conjunto.

A característica contagem de Ronnie, seguida por uma levada de bateria carregada de phaser, antecede o riff clássico de "I Ain´t the One", faixa de abertura do LP e um dos grandes hinos da carreira da banda. O piano de Billy Powell contrasta com as guitarras do trio de ferro, enquanto a cozinha formada pelo baterista Robert Burns e pelo baixista Leon Wilkerson (que tocava com a banda antes do álbum ser gravado, saiu por um breve período e retornou após a gravação do disco - o instrumento é executado pelo guitarrista Ed King no play) dá o tom certo para o groove desconcertante de "I Ain´t the One".

"Tuesday´s Gone" é a primeira das três baladas inesquecíveis presentes no disco. Com sua melodia levada no slide de Rossington, é uma espécie de irmã gêmea de "Free Bird". Ronnie canta carregado de sentimento, com sua voz anasalada derramando sensações sobre nossos ouvidos. A parte central da faixa, com uma belíssima passagem instrumental que começa com um pequeno solo de Powell e termina em uma orquestração, é um dos momentos mais brilhantes e arrepiantes da carreira do Skynyrd.

Mas assim como sabia fazer baladas como poucos, quando resolvia que o negócio era o rock o Skynyrd também soava de forma ímpar. "Gimme Three Steps" prova isso de maneira exemplar, com um riff repleto de groove, levado por Gary Rossington novamente em seu slide. Um dos pontos altos dos shows da banda, "Gimme Three Steps" está no mesmo patamar de canções como "Saturday Night Special" e "Working for MCA", faixas que estão marcadas no DNA de qualquer fã de southern rock.


O dedilhado antológico de guitarra que abre "Simple Man" tem o poder, até os dias de hoje, de transportar para outros mundos qualquer alma com um mínimo de sentimento, escalando suas notas como escadarias para o céu, voando cada vez mais alto. Por si só "Simple Man" já é uma canção que leva os mais sensíveis às lágrimas, com sua letra confessional cantada por Ronnie com o coração na boca. Mas, ao assistir ao documentário Free Bird - The Movie, que mostra um dos últimos shows do grupo, tocando no lendário Festival de Knebworth eam 1977 abrindo para os Rolling Stones e que tem em seu encerramento "Simple Man" rolando sobre cenas amadoras feitas pelos próprios músicos, mostrando a banda na intimidade, é de deixar qualquer fã aos prantos. Destaque para a levada de bateria de Robert Burns, sensacional com suas viradas e ataques aos pratos e na caixa.

Entre "Simple Man" e "Free Bird", que encerra o LP, temos três faixas não muito badaladas, mas que são provas irrefutáveis do talento do conjunto. "Things Goin´ On" nos transporta para um cabaré no meio do Alabama, repleto de desinibidas dançarinas mostrando suas cintas-ligas sem pudor nem vergonha. A acústica "Mississippi Kid" parece nascida no meio de uma plantação no sul dos Estados Unidos, entre trabalho pesado, sol escaldante e uma vontade irresistível de estar em outro lugar. E "Poison Whiskey" tem no excelente riff de Ed King seu melhor momento, enquanto Ronnie canta os perigos de se beber um whisky batizado pelo próprio demo.

Fechando (pronounced leh-nerd skin-nerd) está ninguém menos que "Free Bird", o maior hino da carreira do Lynyrd Skynyrd, faixa suprema do southern rock, composição que mostra todo o poder de fogo da parede altamente inflamável formada pelas três guitarras de Rossington, Collins e King. Uma canção divina, um momento de inspiração daqueles que, quando muito, se tem apenas uma vez na vida, "Free Bird" desafia adjetivos, interpretações e tentativas de transpor para o papel o que suas notas nos fazem sentir. Contemplativa, riquíssima musicalmente, frágil e comovente, é o testamento do Skynyrd escrito já em seu nascimento. Uma faixa sem parâmetros no rock, sem igual nas mais de seis décadas de vida do estilo criado por Chuck Berry e traduzido para as plateias brancas e racistas norte-americanas por Elvis Presley. Sua introdução com a melodia levada por Rossington no slide antecede uma explosão sonora estupenda, onde Allen Collins faz o solo de sua vida em quase cinco minutos de notas faiscantes e que rasgam o ar, tornando reais cores, almas e todos os demais seres que vivem nesse mundo e em todos os outros.

(pronounced len-nerd skin-nerd) foi uma estreia que fez brilhar os olhos dos amantes do rock, nos EUA e em todo o mundo. A expectativa se cumpriu em álbuns excelentes como Second Helping (1974, que tem o maior hit do grupo, a imortal "Sweet Home Alabama") e em pelo menos mais uma obra-prima, o canto do cisne Street Survivors, lançado no dia 17 de outubro de 1977, três dias antes do fatídico dia 20, data do trágico acidente aéreo que vitimou a banda e matou Ronnie Van Zant, o novato e promissor guitarrista Steve Gaines e sua irmã Cassie Gaines (backing vocal do grupo). Mas isso é assunto para outro dia.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Iron Man: Minha Jornada com o Black Sabbath, a autobiografia de Tony Iommi

18:09

Iron Man: Minha Jornada com o Black Sabbath, biografia de Tony Iommi escrita com a colaboração de T.J. Lammers, é um livro delicioso. A obra conta toda a trajetória de Anthony Frank Iommi à frente e na liderança da mais importante e influente banda de heavy metal de todos os tempos, revelando dezenas de detalhes e histórias de bastidores que tornam a leitura repleta de surpresas em todas as páginas.

Escrita de uma maneira simples e composta por capítulos curtos, Iron Man é uma obra muito fácil de se ler. A degustação é agradável e sem esforço, o que torna o livro atrativo até mesmo para quem não está acostumado com o hábito da leitura. As 400 páginas voam embaladas por revelações que, se não tivessem saído da boca de um dos protagonistas, pareceriam mais lendas urbanas do que acontecimentos reais.

Partindo da infância de Iommi e indo até mais ou menos 2010, passando no caminho pelo período pré-Black Sabbath, pelos primeiros anos da banda, o estrelato, o consumo de drogas em quantidades industriais, o processo de composição e gravação de cada disco, a saída de Ozzy e a chegada de Dio, o curto tempo com Ian Gillan, os rumos incertos vividos durante as décadas de 1980 e 1990, a reaproximação com Ozzy e o surgimento do Heaven and Hell, o livro não economiza ao contar uma das histórias mais impressionantes do mundo musical. De garotos desacreditados e sem esperança de Birmingham ao topo do mundo, a obra acompanha toda a saga da banda que criou o heavy metal nas palavras de seu principal músico, compositor e líder.

Entre os trechos mais curiosos, as loucas vidas de Ozzy e Bill Ward se destacam. É de se impressionar que ambos ainda estejam vivos levando-se em conta o que fizeram e nos é contado por Tony. A relação com Ronnie James Dio também rende ótimos momentos na obra, assim como a curta passagem de Ian Gillan pelo Black Sabbath, cujo fruto é o discutível Born Again, disco lançado em 1983.

Tony Iommi soa franco em todo o livro, e, apesar de evitar críticas mais pesadas aos principais colegas de banda, as faz quando elas são mais do que necessárias - que o diga Glenn Hughes.

Como ponto negativo na edição nacional deve-se mencionar o erro de tradução que afirma que o pai de Iommi nasceu no Brasil. O texto original não diz isso, e essa falha acabou tomando outra proporção na edição brasileira. 

Tirando esse pequeno deslize, que certamente será corrigido nas edições futuras, Iron Man: Minha Jornada com o Black Sabbath é um livro rico em informações, ainda mais em um mercado como o nosso, onde a bibliografia sobre a banda mais importante da história do metal é escassa.

Tem que ter, e tem que ler!


A fronteira final do Iron Maiden

16:40

No heavy metal, poucas bandas tiveram – e ainda tem – impacto similar ao Iron Maiden. O grupo liderado pelo baixista Steve Harris influenciou profundamente o gênero. Sua carreira foi marcada desde sempre pelo lançamento de grandes álbuns que definiram os caminhos que a música pesada iria seguir. Ouvindo The Final Frontier, décimo-quinto trabalho e até o momento o mais recente álbum do grupo, fica a certeza de que essa história está longe de acabar.

The Final Frontier é um disco primoroso do começo ao fim. Suas dez faixas mostram uma banda inspirada, coesa e extremamente consciente. É nítido o esforço do grupo em procurar caminhos que fujam do lugar comum em que algumas passagens de seus últimos álbuns adentraram. Ouvindo as composições, não são raros os momentos em que imaginamos que a canção irá para um lado e ela nos surpreende trilhando outros rumos. Esse fator faz com que The Final Frontier seja um disco surpreendente.

Outro aspecto claríssimo no trabalho é a divisão visível entre suas faixas iniciais e finais. Enquanto a primeira parte do disco é composta por canções mais diretas e influenciadas pelo hard rock, da metade em diante as composições ficam mais complexas e longas, mostrando em todo o seu esplendor a faceta progressiva que o Iron Maiden sempre possuiu.

“Satellite 15 … The Final Frontier” inicia o CD de maneira inesperada. A impressão ao dar play é que não estamos ouvindo um disco do Maiden. O que sai dos alto-falantes é uma introdução atmosférica e crescente, onde os instrumentos entram com harmonias desconexas, causando estranheza ao ouvinte. Ainda que sirva para contextualizar a canção, essa intro acaba sendo longa demais, se arrastando por quase cinco minutos. Quando a música finalmente começa, temos um hard rock com linhas vocais grudentas de Bruce Dickinson e um ótimo refrão, que fica de imediato na cabeça. Um bom começo, que ficaria melhor ainda se a parte atmosférica fosse menor ou colocada em uma faixa separada do CD. O clima se mantém lá em cima com “El Dorado”, onde outra vez o hard rock marca presença, em uma composição vigorosa e que agrada de imediato.

“Mother of Mercy” vem a seguir, com boas guitarras e grandes melodias embalando uma das músicas mais fortes do disco. “Coming Home” soa como as ótimas baladas da carreira solo de Bruce Dickinson, e parece saída de discos como The Chemical Wedding e Tyranny of Souls. Aqui merecem destaque a interpretação de Bruce e os solos de guitarra, curtos porém excelentes.

Já “The Alchemist”, a canção mais curta de The Final Frontier, também é a mais direta do play, e nos remete ao Iron Maiden dos anos oitenta, de clássicos como Piece of Mind e Powerslave. Um ataque primoroso de guitarras gêmeas carregadas de melodia, baixo galopante, bateria intricada e grande performance vocal. Ou seja, Iron Maiden clássico, na veia, empolgante!


É a partir de sua metade que The Final Frontier se transforma, passando do status de bom disco e se transformando em um trabalho excelente. “Isle of Avalon” é uma jornada épica de mais de nove minutos repleta de passagens instrumentais arrepiantes. O solo no meio da faixa, não menos que sublime, mostra o quanto Adrian Smith faz a diferença no Iron Maiden. Sua classe, seu talento e seu extremo bom gosto levam a música a caminhos inesperados, surpreendendo o ouvinte e mostrando que a arte de tocar guitarra, quando bem feita, é similar ao trabalho de um exímio artesão.

“Starblind” vem na sequência, e sua alternância entre momentos mais calmos com outros mais agressivos é digna de nota, assim como as guitarras, repletas de melodias na melhor escola da longa tradição das faixas complexas do Maiden, como “Still Life” e “Infinite Dreams”. “The Talisman” segue na mesma linha, com ótimos trechos instrumentais apimentados por um muito bem-vindo tempero celta. “Isle of Avalon”, “Starblind” e “The Talisman” formam uma espécie de trilogia, conduzindo o ouvinte por uma jornada profunda repleta de trechos instrumentais hipnotizantes e arranjos complexos, uma verdadeira viagem sonora que é um dos melhores momentos de The Final Frontier.

Acertando a mão mais uma vez, o Iron Maiden mostra em “The Man Who Would Be King” que inspiração foi o que não faltou no processo de composição e gravação do disco. Dona de uma linda introdução e de um arranjo épico que lhe dá um clima todo especial, “The Man Who Would Be King” abre caminho para aquela que é a mais longa, e também melhor, faixa de The Final Frontier.

Com mais de onze minutos de duração, “When the Wild Wind Blows” nos remete de imediato aos tempos de Somewhere in Time, mais precisamente para a faixa de encerramento daquele álbum, a igualmente excepcional “Alexander The Great”. Única composta somente por Steve Harris, “When the Wild Wind Blows” é daquelas músicas que, sozinhas, justificam a compra de um disco. Harmonias construídas sobre melodias celtas belíssimas arrepiam o ouvinte já nos primeiros segundos da canção, que se desenvolve gradativamente em uma verdadeira aula de como se deve compor no heavy metal. Seus onze minutos parecem durar um terço disso, e nada em seu arranjo soa desnecessário ou fora do lugar. Uma música espetacular, que reafirmou a minha fé no Iron Maiden, a banda que mais ouvi na vida, que me acompanha há 30 anos e que estará ao meu lado até o final dos meus dias.

O Iron Maiden está envelhecendo, isto é um fato, mas está conseguindo passar por esse processo de maneira exemplar. The Final Frontier é a prova disso. Um disco excelente, inovador, de uma banda que não precisa provar nada para ninguém e poderia muito bem gravar o mesmo álbum todos os anos, mas, por sua natureza inquieta, insiste em se renovar e trilhar novos caminhos a cada novo trabalho. The Final Frontier bate Brave New World como o melhor álbum do Iron Maiden desde que Bruce Dickinson e Adrian Smith voltaram à banda em fevereiro de 1999, e é, fácil, o melhor disco do grupo desde o clássico Seventh Son of a Seventh Son, de 1988.


Faça um favor a si mesmo: compre, ouça e coloque um sorriso no rosto!

O paraíso perdido do Symphony X

12:09

Uma primeira audição de Paradise Lost indubitavelmente assustará qualquer fã ou conhecedor do trabalho da banda norte-americana Symphony X. Por mais que The Odissey, o (então) CD anterior, já trouxesse uma dose muito maior de peso, esse peso é ínfimo se comparado ao que o grupo fez neste disco.

As passagens intricadas não poderiam faltar, assim como as influências clássicas que sempre caracterizaram a banda. Em contrapartida, o clima épico das composições está muito mais evidente. Mas o que realmente chama a atenção em Paradise Lost é o peso espetacular de suas dez faixas. A guitarra está na cara, a cozinha está matadora, o teclado mais parece uma segunda guitarra. Aliás, Michael Romeo e Jason Rullo (bateria) estavam especialmente inspirados, e estraçalham seus instrumentos sem dó durante todo o álbum. Mas, por mais que todos os integrantes do Symphony X sejam verdadeiros virtuose, nada se compara ao que o vocalista Russel Allen faz em Paradise Lost.

Esqueça aquele vocal mais limpo de discos como The Divine Wings of Tragedy (1997) ou V: The New Mithology (2000). Já na primeira faixa, “Set the World on Fire (The Lie of Lies)”, a voz de Allen surge quase gutural, agressiva como nunca esteve, e mostrando mais uma vez o porque de ele ser apontado como um dos melhores vocalistas e intérpretes de heavy metal do planeta. Sua performance é de cair o queixo.

Musicalmente, as canções seguem estruturas similares às apresentadas em The Odissey, mas com uma quantidade muito maior de riffs. Não percebi, conforme li em vários reviews, a presença de elementos de power metal em algumas faixas. O que realmente fica evidente é que Michael Romeo compôs Paradise Lost ouvindo muito thrash, já que várias canções mostram a adição de influências deste estilo. E o resultado, como era de se esperar, é, no mínimo, excelente.

Faixas de destaque? A intro “Oculus Ex Inferni”, “Set the World on Fire (The Lie of Lies”), “Domination” (a minha preferida em todo o disco – que refrão!!!”), a belíssima “Paradise Lost” (na minha opinião uma das melhores músicas da carreira da banda, com linhas vocais muito bonitas), a fritação de “Eve of Seduction”, “The Walls of Babylon” (com coros vocais não menos que espetaculares e toques egípcios em seu arranjo), “Seven” e a excelente “Revelation (Divus Pennae Ex Tragoedia)”, que fecha o CD.

Paradise Lost é um álbum diferente de todos os discos que você já ouviu do Symphony X. É mais pesado, muito mais agressivo, mas nem por isso menos brilhante. É um álbum muito mais metal do que progressivo. O talento que levou o grupo liderado por Michael Romeo a se transformar em uma das grandes bandas de heavy metal do planeta continua marcante, e fazendo a diferença.

Recomendável.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Apaguem as luzes, o Graveyard chegou pra ficar

16:14

Havia uma enorme expectativa em torno de Lights Out, terceiro disco do quarteto sueco Graveyard. O motivo foi o ótimo segundo álbum do grupo, Hisingen Blues, um dos melhores de 2011. Porém, demonstrando domínio extremo da situação, a banda não apenas gravou um sucessor à altura como fez questão de deixar claro que todo o reconhecimento e elogios em cima de seu som fazem todo o sentido.

A música do Graveyard, obviamente, possui uma identidade. Calcada no hard rock setentista, a sonoridade dos suecos traz de volta o som pesado, esfumaçado e chapado daquela época. Porém, o que chama a atenção é que o quarteto não se repete em nenhum dos seus três trabalhos, procurando seguir sempre novos caminhos e propostas musicais. Assim, apesar dos entusiasmados elogios a Hisingen Blues, o Graveyard mostra personalidade em Lights Out, propondo um som que, ainda que permaneça dentro do seu espectro sonoro, não se vale de fórmulas prontas.

Mais ainda que nos dois excelentes discos anteriores - antes de Hisingen Blues a banda colocou nas lojas o auto-intitulado primeiro álbum, em 2007 -, Lights Out mostra que o Graveyard é formado por quatro hippies cabeludos apaixonados por hard rock. O som é totalmente calcado na estética setentista e deixa pairando no ar um inebriante aroma de substâncias ilícitas. A música do Graveyard é leve e solta. Os músicos tem a mão livre e apostam mais no felling do que na precisão. 

Merecem menção especial duas características de Lights Out. A primeira é o apaixonante timbre das guitarras, sujas e empoeiradas como um bom som pesado pede. E a segunda é a performance irretocável do vocalista Joakim Nilsson (também guitarrista). Sua voz está suja, mais rouca e pigarreada que nos álbuns anteriores. “Seven Seven” é o ápice disso. As melodias vocais estão ainda mais eficientes e bem construídas, um passo à frente de Hisingen Blues. E quando resolve mudar a sua forma da cantar, Joakim encarna um narrador nas linhas vocais suaves de “Fool in the End”, que se metamorfoseiam no refrão, tornando-se ásperas, animalescas e hostis.

A maneira como o Graveyard monta os seus discos deixa claro os méritos da banda. Os caras abrem Lights Out com uma faixa mais agitada - “An Industry of Murder” -, para em seguida colocar na roda uma composição viajante pra caramba - “Slow Motion Countdown”. Isso mostra não apenas personalidade, mas uma fé na forma como a banda vê a sua música e o seu papel, importando-se somente com os seus princípios e não com estúpidas convenções.

Há uma clara divisão entre canções mais agitadas e outras mais calmas e contemplativas. Pauladas épicas como “The Suits, The Law & The Uniform”, com cara de futuro clássico e um riff simples e matador, são exemplos perfeitos do lado mais agressivo do Graveyard. O mesmo vale para “Endless Night” e “Goliath”, o primeiro single, uma composição cativante e com guitarras faiscantes, que condensa todo o poder da música do grupo em apenas 2:50. Do outro lado da moeda, sons como a pequena obra-prima “Slow Motion Countdown” (com sutis teclados, uma novidade para o grupo), a espetacular “Hard Time Lovin” (uma canção à moda antiga, que se desenvolve sem pressa e tem a melhor interpretação de Joakim em todo oálbum ) e “20/20 Tunnel Vision” mostram a fascinante face entorpecida do grupo, e também o seu principal trunfo. É em composições com essa característica que o Graveyard revela-se em sua plenitude, colocando todas as suas cartas na mesa e fazendo jus aos mais exagerados elogios. Quando a banda acerta a mão, não há nada semelhante no rock atual! Assim como tivemos a estupenda “Uncomfortably Numb” voando alto em Hisingen Blues, em Lights Out há “Hard Time Lovin” abrindo todas as portas, janelas e formas de percepção. 

Bastante diferente de Hisingen Blues, porém igualmente muito bom, Lights Out comprova a qualidade singular do Graveyard. A banda sueca é um assombro, um gigante que se revela a cada novo passo, conquistando cada vez mais espaço e deixando claro que chegou não apenas para ficar, mas para, sobretudo, fazer história. 

Seis anos de carreira, três discos e cada vez mais impressionante: vida longa ao Graveyard!

Cris e Chris, eu e você

10:40

A morte é sempre triste. Em todas as situações, momentos, causas e motivos. Quando a vítima é alguém famoso, na flor da idade e perde a vida de maneira violenta, é ainda mais chocante. Foi o que aconteceu com o cantor Cristiano Araújo, falecido no último dia 24 de junho, aos 29 anos, vítima de um acidente de trânsito.

Vou ser sincero com vocês: eu nunca tinha ouvido falar em Cristiano Araújo. Essa afirmação não tem nada de arrogância ou seja lá o que possam pensar, mas eu realmente não fazia ideia de quem era Cristiano Araújo. E me surpreendeu o fato de que um completo desconhecido neste meu mundinho particular era um dos maiores nomes da música jovem brasileira, ídolo de milhões de pessoas Brasil afora. Sua perda doeu fundo em milhões de fãs, e esse sentimento deve ser respeitado e jamais desprezado.

O fato de eu nunca ter ouvido falar de Cristiano Araújo vai muito além de não consumir o estilo de música que ele produzia. Eu não sou fã de sertanejo universitário, mas conheço alguns nomes do estilo, como Michel Teló, Gusttavo Lima, Jorge & Matheus. Mas nunca tinha ouvido falar de Cris. E aí entram outros aspectos bastante singulares. Não assisto TV aberta, por exemplo. Nenhum canal. É uma escolha que tomei por achar tudo muito fraco. Fico lá nos meus canais de esporte, nos Discoverys e Historys da vida, na HBO e afins. E nesses canais, nunca vi nada a respeito de Araújo. Os sites que acesso ou são de um estilo musical distante do praticado pelo falecido, ou trazem matérias sobre cultura pop, quadrinhos, cinema e outros assuntos do meu interesse. As revistas que leio são HQs, algumas de esporte, de vez em quando uma ou outra sobre música. Minhas timelines no Twitter e no Facebook ficam nestes assuntos, com um processo contínuo de seleção para mantê-las livres de qualquer coisa próxima a preconceito, imagens de mortes e acidentes, fanatismos diversos e o que mais entorte o meu estômago.

Me impressionou o fato de uma pessoa que eu não fazia ideia de quem fosse ser, na verdade, um ícone, um artista popular pra caramba, e, como tal, a sua morte ter batido tão forte no coração de um número enorme de pessoas. E isso faz pensar. Faz pensar em como o Brasil é um país imenso, com diferentes realidades e culturas em suas regiões. Quem é popular em um local, pode ser um completo desconhecido em outro. No entanto, Cristiano Araújo era popular em todo o país. Então essa teoria já cai por terra. E vamos para os nichos de consumo, que caminham lado a lado, de forma paralela, com as diferentes parcelas da população. Enquanto o amigo da mesa à frente curte o seu sertanejo universitário, o cara ao lado mergulha no metal e o mais à esquerda curte suas canções românticas. E todo um universo se abre em cada um destes estilos, universos que são praticamente desconhecidos por quem está aí, ao seu lado e bem perto de você. E não há nada de errado nisso.

Me incomodou um pouco a postura que li em diversas matérias e comentários, com pessoas indignadas pelo fato de um grande número de pessoas, dos quais faço parte, nunca terem ouvido falar de Cristiano Araújo antes de sua morte. Como se fosse proibido não conhecer o finado cantor. Pois é, isso acontece, e é perfeitamente normal. Como já disse, cada um tem os seus próprios hábitos de consumo, e dentro de cada um deles existem ícones que possuem um enorme significado dentro daquele nicho, e não representam nada fora dele. 

Podemos fazer um exercício com outro músico falecido recentemente, um quase homônimo do Cris que parou o Brasil: Chris Squire, baixista do Yes. O Yes é uma banda inglesa formada nos anos 1960 e na ativa até os dias de hoje. O grupo é um dos pilares do rock progressivo, gênero marcado por canções repletas de movimentos ousados, mudanças de climas e que tem, entre as suas principais características, a notável técnica de seus instrumentistas. Chris Squire era membro fundador e baixista do Yes. Um ícone do contra-baixo, reconhecido mundo afora como um dos maiores músicos do gênero. Squire faleceu em 27 de junho, aos 67 anos, vítima de leucemia. E, assim como a perda de Cristiano Araújo fez com seus fãs, deixou um enorme vazio nos milhões de admiradores do Yes mundo afora. 

Eu nunca tinha ouvido falar de Cristiano Araújo. Assim como é bem provável que a grande maioria dos fãs do Cris que parou o Brasil jamais tenham escutado o nome de Chris Squire. Dois músicos que encheram de alegria a vida de seus fãs, cujas canções estão nos corações de milhões de pessoas. Um não vale mais do que o outro, assim como o outro não vale mais do que o um. Ambos seres humanos, cujas perdas devem ser lamentadas. Ambos nomes importantes em seus universos, e completos desconhecidos fora deles.

Meus sentimentos aos órfãos de Cristiano Araújo. Minhas condolências aos que sentem saudades de Chris Squire. E o meu desejo de saúde e uma vida boa e repleta de alegrias não apenas para quem curte música, mas também para os artistas que nos fazem amar esta arte maravilhosa, que esquenta o coração e alimente a alma. Seja através do sertanejo universitário, do rock progressivo ou de qualquer outro gênero.


terça-feira, 30 de junho de 2015

Enslaved, a obra-prima do Soulfly

16:07

Enslaved, oitavo álbum do Soulfly, acentua o direcionamento que a banda de Max Cavalera vem seguindo nos últimos anos, aproximando-se cada vez mais não só do thrash metal, mas também do death – além de alguns flertes com o black metal. Não há nem sombra do experimentalismo dos primeiros álbuns, que traziam efeitos eletrônicos e coisas do gênero.

Ao lado de Max estão o parceiro Mark Rizzo nas guitarras e os estreantes Tony Campos (Static-X, Asesino) e o baterista David Kinkade (Borknagar), constituindo uma das formações mais consistentes nas quase duas décadas de história do grupo. Além disso, Enslaved conta com as participações especiais de Travis Ryan (vocalista do Cattle Decapitation) em “World Scum”, Dez Farfara (vocalista do Coal Chamber e do DevilDriver) em “Redemption of Man by God” e dos filhos de Max – Richie, Zyon e Igor Jr. - em “Revengeance”.

Produzido por Chris “Zeuss” Harris (3 Inches of Blood, Chimaira, Shadows Fall) e pelo próprio Max, Enslaved é um disco incrível. As composições são excelentes, fortíssimas. Nelas, o guitarrista e vocalista conduz a banda por uma sonoridade que pode ser definida como uma espécie de thrash metal contemporâneo, com muita agressividade e peso. Em certas passagens, a banda, como mencionado antes, faz uso de elementos ainda mais extremos, inserindo características do death e até mesmo do black metal – como blast beats, por exemplo -, deixando o seu som ainda mais poderoso. Há uma boa dose de melodia na parte instrumental, que, aliada ao peso e à agressividade da performance como um todo, torna as faixas muito fortes e cativantes.

David Kinkade deu uma declaração onde afirmou que Enslaved soava como se Arise tivesse sido turbinado com doses de crack. A afirmação faz sentido. As músicas soam como se Max tivesse dado sequência ao clássico do Sepultura. A consistência e a qualidade das composições impressionam, bombardeando o ouvinte com uma sequência de faixas que batem no peito e fazem qualquer headbanger bater cabeça instantaneamente.

Destaque para “World Scum”, “Gladiator”, a porrada de “American Steel”, “Redemption of Man by God”, “Plata O Plomo” (com instrumental que une o metal ao flamenco e cuja letra, cantada em português por Max e em espanhol por Campos, faz referência ao lendário traficante colombiano Pablo Escobar), “Chains” (mais de sete minutos de uma odisséia thrash que fará os fãs irem às lágrimas) e o grito familiar de “Revengeance”, onde Max mostra que está preparando bem os herdeiros para, um dia, assumirem o seu lugar.


Pondero muito antes de dar a nota máxima para um disco. O motivo para isso é que vejo tantos reviews de sites e revistas especializadas em heavy metal para álbuns apenas medianos recebendo nota 8 pra cima, que tenho a impressão que qualquer disco legalzinho já é considerado pela maioria um clássico. Mas em Enslaved vou ter que abrir uma exceção. O álbum é admirável do começo ao fim, e, para mim, é o melhor trabalho de toda a carreira do Soulfly.

Se 2012 acabasse hoje, esse seria o disco do ano!

O texto acima foi escrito e publicado no dia 8 de março de 2012. Ou seja, há mais de três anos. E, ouvindo Enslaved hoje em dia, passados mais de mil dias de seu lançamento, a opinião, a impressão, o sentimento e a convicção continuam iguais. Trata-se de um álbum espetacular, feroz e criativo, e que ocupa o topo da carreira do Soufly como o melhor trabalho gravado por Max Cavalera após a sua saída do Sepultura. Se, por algum motivo ou por várias razões, você ainda não tenha colocado os ouvidos no disco, aproveite este texto e sangre os seus ouvidos com prazer.

De pai pra filho: AC/DC

15:14

Era um moleque com apenas 12 anos quando ouvi AC/DC pela primeira vez. Foi no início de 1985, e assisti a banda pela TV, tocando no Rock in Rio. Aquilo mudou a minha vida. Foi ali que fui fisgado pelo rock.

Não tinha grana, era apenas um garoto. Ainda não trabalhava, e filho de professores nunca tem dinheiro sobrando. Assim, só fui colocar a mão em dois discos do grupo no final daquele ano, quando fiz aniversário. Estava em Pelotas, onde minha avó e tios moravam, e meu padrinho me levou em uma loja de departamentos para me dar um presente. Não sei se era Mesbla, Renner, não lembro. Mas não esqueço que saí de lá com dois LPs embaixo do braço: ’74 Jailbreak (1984) e For Those About to Rock (We Salute You) (1981).

A dupla entrou na minha história também por outro motivo: foram os dois primeiros discos de rock da minha coleção. Na verdade, foram o segundo e terceiro LPs da minha coleção. Antes deles tinha apenas o Thriller (1982), do Michael Jackson, que havia ganhado da minha madrinha, acho que no mesmo aniversário de 13 anos.

Ouvir as 15 faixas presentes nos dois álbuns foi como abrir um novo universo. O impacto de um riff em um garoto que está descobrindo o rock jamais deve ser subestimado. Foi uma sensação mágica, única, inesquecível. De cara, gostei mais do EP, com hinos como “Jailbreak”, “You Ain’t Got a Hold on Me” e “Soul Stripper”. Mas também mergulhei em For Those About Rock, primeiramente levado pela capa e pela imortal faixa-título, e depois por canções como “Put the Finger on You”, “Let’s Get It Up”, “Evil Walks”, “C.O.D.” e “Breaking the Rules”.

Nunca aprendi a tocar nada, nenhum instrumento. Pelo menos não efetivamente, já que esses dois discos me transformaram em exímio tocador de air guitar, antes mesmo do termo existir. Encontrei uma antiga raquete de tênis que era do meu falecido avô, fiz um cinta com fita adesiva e aquela Gibson imaginária me acompanhou por anos.

Cresci, e o AC/DC continuou um dos meus melhores amigos. Vivia em uma cidade pequena, com uns 10 mil habitantes, no interior do Rio Grande do Sul. Espumoso não tinha muito público para rock, mas todos os meus amigos, ao escutarem o AC/DC, também tiveram reações similares às minhas.

Curioso por natureza, aos poucos fui conhecendo os outros álbuns da banda. Minha coleção de LPs crescia a olhos vistos, e alguns deles foram inseridos no meio daquela montanha de vinis. O fenomenal Back in Black (1980), que no Brasil saiu com os lados A e B invertidos. O incrível Powerage (1978), até hoje um dos meus discos preferidos, com uma energia quase punk. O sangrento ao vivo If You Want Blood, You’ve Got It (1978) com sua antológica versão do hino “The Jack”.

Já adulto, redescobri novamente a banda. Comprei todos os discos em lindos digipaks, e mais uma vez o impacto, o efeito daquela música, foi acachapante. Nessa época ouvi melhor trabalhos que haviam me passado quase batidos, como o debut High Voltage (1975) - um dos meus favoritos -, o excepcional Highway to Hell (1979) e o menosprezado Flick of the Switch (1983). Quando Black Ice (2008) foi lançado, comprei três cópias diferentes, uma para cada ilustração da capa.

Hoje sou um cara bem distante e diferente daquele garoto de 12 anos. Já ouvi literalmente milhares de discos, entrei em contato com centenas de sonoridades distintas. Essa experiência toda me fez um ouvinte melhor e mais maduro, e isso me faz entender como o AC/DC fascina, porque ele cativa e apaixona as pessoas. O hard rock do grupo, banhado em doses generosas de blues rock e conduzido com dedos ágeis pelas guitarras dos irmãos Angus e Malcolm Young, é um dos sons mais característicos do rock and roll. E, levando em conta os discos mais recentes - apesar do mediano Rock or Bust (2014) -, está ficando ainda melhor com a chegada dos cabelos brancos.

Tenho um filho chamado Matias. Ele nasceu em 2008, assim como o penúltimo disco da banda, o ótimo Black Ice. E desde cedo o Matias adora AC/DC. A primeira vez que ele viu e ouviu a banda foi através do DVD Family Jewels (2005), compilação de clipes do quinteto. Devia ter no máximo 2 anos. Ele adora “Back in Black”, e sabe inclusive tocar a música no tempo certo na guitarra. Sabe a letra de “T.N.T.”, e sempre a canta quando a faixa começa em algum lugar. Aprendeu isso sozinho, com a memória musical diferenciada que dá dicas de possuir. E, claro, com uma mãozinha do pai número 2, o Chico, guitarrista e que, assim como eu, se enche de orgulho toda vez que ele menciona qualquer coisa relacionada à banda. Não posso esquecer também da mãe, Carla, outra grande fã da banda, e que, em uma viagem para Dubai, voltou com uma camiseta linda do grupo para o nosso pequeno rocker.

Entendo que o que atrai o Matias ao AC/DC é a energia, a simplicidade e a autenticidade da banda. Ele adora assistir, e se derrete em risadas, ao ver o strip tease de Angus Young na versão de “The Jack” que está no DVD Live at River Plate (2011). 

É isso: o AC/DC não enrola, vai sempre direto ao ponto, é despretencioso e não quer fazer outra coisa que não seja curtir o bom e velho rock and roll. Sensação que é compartilhada por ouvintes de todas as idades, tenham eles 7, 12 ou 40 anos.


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