De Pai pra Filho
New
Era um moleque com apenas 12 anos quando ouvi AC/DC pela primeira vez. Foi no início de 1985, e assisti a banda pela TV, tocando no Rock in Rio. Aquilo mudou a minha vida. Foi ali que fui fisgado pelo rock.
Não tinha grana, era apenas um garoto. Ainda não trabalhava, e filho de professores nunca tem dinheiro sobrando. Assim, só fui colocar a mão em dois discos do grupo no final daquele ano, quando fiz aniversário. Estava em Pelotas, onde minha avó e tios moravam, e meu padrinho me levou em uma loja de departamentos para me dar um presente. Não sei se era Mesbla, Renner, não lembro. Mas não esqueço que saí de lá com dois LPs embaixo do braço: ’74 Jailbreak (1984) e For Those About to Rock (We Salute You) (1981).
A dupla entrou na minha história também por outro motivo: foram os dois primeiros discos de rock da minha coleção. Na verdade, foram o segundo e terceiro LPs da minha coleção. Antes deles tinha apenas o Thriller (1982), do Michael Jackson, que havia ganhado da minha madrinha, acho que no mesmo aniversário de 13 anos.
Ouvir as 15 faixas presentes nos dois álbuns foi como abrir um novo universo. O impacto de um riff em um garoto que está descobrindo o rock jamais deve ser subestimado. Foi uma sensação mágica, única, inesquecível. De cara, gostei mais do EP, com hinos como “Jailbreak”, “You Ain’t Got a Hold on Me” e “Soul Stripper”. Mas também mergulhei em For Those About Rock, primeiramente levado pela capa e pela imortal faixa-título, e depois por canções como “Put the Finger on You”, “Let’s Get It Up”, “Evil Walks”, “C.O.D.” e “Breaking the Rules”.
Nunca aprendi a tocar nada, nenhum instrumento. Pelo menos não efetivamente, já que esses dois discos me transformaram em exímio tocador de air guitar, antes mesmo do termo existir. Encontrei uma antiga raquete de tênis que era do meu falecido avô, fiz um cinta com fita adesiva e aquela Gibson imaginária me acompanhou por anos.
Cresci, e o AC/DC continuou um dos meus melhores amigos. Vivia em uma cidade pequena, com uns 10 mil habitantes, no interior do Rio Grande do Sul. Espumoso não tinha muito público para rock, mas todos os meus amigos, ao escutarem o AC/DC, também tiveram reações similares às minhas.
Curioso por natureza, aos poucos fui conhecendo os outros álbuns da banda. Minha coleção de LPs crescia a olhos vistos, e alguns deles foram inseridos no meio daquela montanha de vinis. O fenomenal Back in Black (1980), que no Brasil saiu com os lados A e B invertidos. O incrível Powerage (1978), até hoje um dos meus discos preferidos, com uma energia quase punk. O sangrento ao vivo If You Want Blood, You’ve Got It (1978) com sua antológica versão do hino “The Jack”.
Já adulto, redescobri novamente a banda. Comprei todos os discos em lindos digipaks, e mais uma vez o impacto, o efeito daquela música, foi acachapante. Nessa época ouvi melhor trabalhos que haviam me passado quase batidos, como o debut High Voltage (1975) - um dos meus favoritos -, o excepcional Highway to Hell (1979) e o menosprezado Flick of the Switch (1983). Quando Black Ice (2008) foi lançado, comprei três cópias diferentes, uma para cada ilustração da capa.
Hoje sou um cara bem distante e diferente daquele garoto de 12 anos. Já ouvi literalmente milhares de discos, entrei em contato com centenas de sonoridades distintas. Essa experiência toda me fez um ouvinte melhor e mais maduro, e isso me faz entender como o AC/DC fascina, porque ele cativa e apaixona as pessoas. O hard rock do grupo, banhado em doses generosas de blues rock e conduzido com dedos ágeis pelas guitarras dos irmãos Angus e Malcolm Young, é um dos sons mais característicos do rock and roll. E, levando em conta os discos mais recentes - apesar do mediano Rock or Bust (2014) -, está ficando ainda melhor com a chegada dos cabelos brancos.
Tenho um filho chamado Matias. Ele nasceu em 2008, assim como o penúltimo disco da banda, o ótimo Black Ice. E desde cedo o Matias adora AC/DC. A primeira vez que ele viu e ouviu a banda foi através do DVD Family Jewels (2005), compilação de clipes do quinteto. Devia ter no máximo 2 anos. Ele adora “Back in Black”, e sabe inclusive tocar a música no tempo certo na guitarra. Sabe a letra de “T.N.T.”, e sempre a canta quando a faixa começa em algum lugar. Aprendeu isso sozinho, com a memória musical diferenciada que dá dicas de possuir. E, claro, com uma mãozinha do pai número 2, o Chico, guitarrista e que, assim como eu, se enche de orgulho toda vez que ele menciona qualquer coisa relacionada à banda. Não posso esquecer também da mãe, Carla, outra grande fã da banda, e que, em uma viagem para Dubai, voltou com uma camiseta linda do grupo para o nosso pequeno rocker.
Entendo que o que atrai o Matias ao AC/DC é a energia, a simplicidade e a autenticidade da banda. Ele adora assistir, e se derrete em risadas, ao ver o strip tease de Angus Young na versão de “The Jack” que está no DVD Live at River Plate (2011).
É isso: o AC/DC não enrola, vai sempre direto ao ponto, é despretencioso e não quer fazer outra coisa que não seja curtir o bom e velho rock and roll. Sensação que é compartilhada por ouvintes de todas as idades, tenham eles 7, 12 ou 40 anos.
De pai pra filho: AC/DC
Reviewed by
Ricardo Seelig
on
15:14
Rating:
5
Nenhum comentário:
Postar um comentário