sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Wishbone Ash e o nascimento das guitarras gêmeas

13:13

A origem das guitarras gêmeas, aquela alquimia fantástica que leva os guitarristas de uma banda a tocarem melodias e solos de maneira simultânea, em um entrosamento arrepiante, é até hoje discutida entre pesquisadores e críticos musicais. A teoria mais aceita é que o termo surgiu do trabalho de grupos como a Allman Brothers Band, que em seus três primeiros discos, ainda com Duane Allman na formação - The Allman Brothers Band (1969), Idlewild South (1970) e o antológico ao vivo At Fillmore East (1971) - já apresentava um elaborado e complexo entrelaçamento entre as guitarras de Duane e Dickey Betts, o que, somado às influências de blues e jazz do grupo, resultou em um som único, regado a longas jams instrumentais, principalmente nos shows.

Os pioneiros do southern rock, como a banda dos irmãos Allman e o Lynyrd Skynyrd, tiveram papel fundamental na concepção e no desenvolvimento desse novo e definitivo capítulo na história da guitarra. O Skynyrd, principalmente, levou o trabalho de guitarras para estratosfera, fazendo seu trio de instrumentistas levantar vôo alto e chegar até onde ninguém antes havia estado - "Free Bird" está aí como prova definitiva. Além deles, outras duas bandas foram essenciais nesse quesito: o Thin Lizzy e o Wishbone Ash. Enquanto o grupo do vocalista e baixista Phil Lynott começou a desenvolver as twin guitars a partir da substituição de Eric Bell - até então único guitarrista do grupo - pela dupla formada por Scott Gorham e Brian Robertson, que estreou no quarto disco dos irlandeses, Night Life (1974), o Wishbone Ash já trazia essa característica desde sua formação, em agosto de 1969. Mas, ainda que os dois primeiros álbuns - Wishbone Ash de 1970 e Pilgrimage de 1971 - demonstrassem essa faceta, foi em Argus, terceiro LP dos ingleses, que ela se revelou por inteira, em toda sua beleza, complexidade e magia.

Lançado em 28 de abril de 1972, Argus é o mais conhecido disco do Wishbone Ash, além de ser considerado o melhor trabalho da banda pela imensa maioria dos fãs e críticos. Contando com seu line-up clássico - Martin Turner (vocal e baixo), Andy Powell (guitarra e vocal), Ted Turner (guitarra e vocal) e Steve Upton (bateria) -, o Wishbone Ash concebeu um dos mais belos registros da década de 1970. O álbum foi gravado no De Lane Sea Studios, em Londres, em janeiro de 1972, e teve produção de Derek Lawrence, que havia produzido os três primeiros LPs do Deep Purple. O engenheiro de som foi Martin Birch, que mais tarde se tornaria famoso por trabalhos ao lado do Iron Maiden.

As sete faixas de Argus trazem uma alquimia precisa entre rock progressivo, folk (com grandes doses de música celta) e hard rock, resultando em um som ímpar. Mas a principal característica do play, indiscutivelmente, é o brilhante trabalho de Powell e Turner na construção de belíssimas melodias com suas guitarras, que se entrelaçam em arranjos complexos que progridem em harmonias celestiais, levando o ouvinte para outras dimensões. Argus é o ponto zero das guitarras gêmeas. Por mais que algumas bandas já tivessem experimentado essa característica antes e outras também o fariam depois, foi neste disco que o conceito foi definido, de maneira sólida e pra lá de influente.


O LP abre com "Time Was" e sua bela introdução acústica, que serve de base para os vocais de Martin e Ted Turner. Após esse trecho, a faixa evolui para uma empolgante levada, com cativantes linhas vocais e longos trechos instrumentais repletos de inspiração, antecipando o que estava por vir. A balada "Sometime World" é cantada por Martin com uma forte carga de emoção, o que torna a faixa ainda mais profunda. Destaque para os delicados arranjos e solos de guitarra, mostrando que não é preciso tocar à velocidade da luz para ser considerado um grande instrumentista. A mudança de andamento no meio da faixa leva a um trecho muito mais acelerado, novamente com longas passagens instrumentais entrecortadas por ricas harmonias vocais. Sensacional!

"Blowin´ Free", uma das músicas mais conhecidas do Wishbone Ash, vem a seguir, e é impossível, mesmo passados mais de quarenta anos de sua gravação, não se arrepiar com o riff inicial da canção. Os vocais são divididos entre Martin, Ted e Andy Powell, em um resultado final sublime. Essa faixa é simplesmente um hino, perfeita para pegar a estrada sem rumo, sem destino e sem hora pra chegar.

"The King Will Come" dá sequência ao play. Aqui, as guitarras são um show à parte, alternando-se entre riffs inspirados e solos furiosos, isso sem falar nos vocais, agora divididos entre Martin e Andy, quase espirituais em certos momentos. Resumindo: uma composição brilhante!

"Leaf and Stream" dá uma acalmada nas coisas, e nela podemos perceber claramente as influências celtas no som do Wishbone Ash, principalmente pelas linhas vocais de Martin Turner. Os solos esbanjam classe e delicadeza, mostrando todo o talento de Andy Powell e Ted Turner. Uma ótima canção acústica.

O disco fecha em grande estilo, com duas de suas melhores faixas. "Warrior" é um hard classudo com grandes melodias, alternância de andamentos e um refrão marcante. Já "Throw Down the Sword" surge nos alto-falantes evoluindo sobre uma bela harmonia de guitarras, culminando com um solo duplo sensacional em seu final, onde as duas guitarras se cruzam e se complementam.


Uma coisa que chama a atenção ainda hoje é o timbre alcançado pelos instrumentos de Andy Powell e Ted Turner. Suas guitarras soam puras e limpas, sonoridade essa que realça ainda mais todos os detalhes dos riffs e arranjos presentes no álbum. Sem dúvida, Argus tem um dos mais belos timbres de guitarra já gravados, fácil, fácil.

O impacto do disco foi imediato e duradouro. O álbum foi muito bem aceito pelos fãs e pela crítica. A revista inglesa Sounds Magazine elegeu Argus como o álbum do ano de 1972. O sucesso foi tamanho que um público muito maior que o habitual começou a ir aos shows do Wishbone Ash, transformando a turnê de divulgação em uma das mais concorridas do biênio 1972-1973.

Em 1991 Argus teve sua primeira edição em CD, e como atrativo extra trouxe como bônus "No Easy Road", originalmente lançada como b-side do single de "Blowin´ Free". Em 2002 o disco ganhou uma reedição remasterizada, que incluiu as três faixas lançadas originalmente no EP promocional Live from Memphis, de 1972 - "Jail Bait", "The Pilgrim" e "Phoenix" -, gravadas ao vivo nos estúdios da WMC FM.

Finalmente, em 2007 foi lançada uma deluxe edition da Argus, com nada mais nada menos que onze faixas bônus. Além das já conhecidas "No Easy Road" e das versões de "The Pilgrim" e "Phoenix" do Live from Memphis, o disco trouxe seis faixas gravadas ao vivo em um evento chamado BBC in Concert - "Time Was", "Blowin´ Free", "Warrior", "Throw Down the Sword", "The King Will Come" e "Phoenix" -, e duas registradas durante as famosas BBC Sessions - "Blowin´ Free" e "Throw Down the Sword".

A tour de Argus gerou o estupendo duplo ao vivo Live Dates, lançado em 1973, que traz quatro faixas do álbum - "The King Will Come", "Warrior", "Throw Down the Sword" e "Blowin´ Free" -, além de versões definitivas para "The Pilgrim" e "Phoenix", essa última com mais de dezessete minutos de duração. Se você curte álbuns ao vivo, anote a dica: Live Dates é um dos melhores registros da década de 1970, obrigatório em qualquer coleção de hard rock.

Além de ser o marco zero das guitarras gêmeas, que influenciariam inúmeros grupos no futuro, notoriamente os gigantes do metal britânico Judas Priest e Iron Maiden (o próprio Steve Harris declarou inúmeras vezes ser um grande fã do disco), Argus é o ápice da longa discografia do Wishbone Ash. Um dos mais belos discos já gravados, mantém viva a sua capacidade de emocionar o ouvinte a cada nova audição. Só isso já diz muito sobre a qualidade da música que corre em seus sulcos.

Clássico e obrigatório, nesse caso, ainda é pouco.

Maglore - III (2015)

11:08

Na ativa desde 2009, o Maglore foi formado em Salvador e já lançou três discos. O mais recente, III, saiu em junho e marca um novo capítulo para a banda, com a chegada do baixista e vocalista Rodrigo Damati - completam o trio Teago Oliveira (vocal e guitarra) e Felipe Dieder (bateria). 

Diferente dos álbuns anteriores - Veroz (2011) e Vamos pra Rua (2013) -, o que ouvimos em III é uma sonoridade mais refinada, construída a partir de melodias criativas e caminhando, sempre, entre o rock e a MPB. O formato power trio deixou a música do Maglore um pouco mais direta, simplificando-a no melhor dos sentidos, e, assim, atiçando todos os sentidos de quem coloca os ouvidos em seu novo disco.

A produção de Rafael Ramos (que já assinou trabalhos para nomes como Los Hermanos, Titãs, Cachorro Grande, Black Alien, Pitty e um monte de gente) é certeira, explorando com habilidade o evidente potencial da banda. A música do Maglore está mais acessível neste terceiro disco, mais potável para uma parcela muito maior do público. Isso é facilmente perceptível em pequenas jóias pop como “O Sol Chegou”, “Ai Ai”, "Vampiro da Rua XV" (com ecos de Raul Seixas) e, principalmente, na dobradinha formada por “Mantra" e “Dança Diferente”. Redondo e macio, o som dos baianos desce que é uma beleza, ensolarando os dias e alegrando todos ao redor.

Com onze faixas espalhadas em quase 40 minutos, III é um trabalho muito conciso e forte, que chega chegando e coloca o Maglore, cada vez mais e de maneira merecida, em um posto de destaque na atual música brasileira.

Satisfação garantida, sem medo!

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quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Os melhores discos de julho segundo o About Heavy Metal

18:44

É o calor do verão (no hemisfério norte), mas a qualidade dos lançamentos de metal esfriou drasticamente em julho. Tivemos alguns discos excelentes, mas a profundidade de bons discos foi a menor de todos os meses do ano até agora. A lista deste mês inclui algumas bandas familiares, mas também nomes novos e desconhecidos, como o que encabeça a lista.


Sons of Huns - While Sleeping Stay Awake

Se você precisa de uma dose diária de chutes na bunda, encontrou neste segundo disco do Sons of Huns. O trio de Portland derrama energia, coragem e atitude. Riffs matadores cheios de swing alinham-se com temas líricos profundos, com letras que exploram assuntos como filosofia, ioga, meditação, vida e morte. Mesmo não precisando de ajuda para entregar um disco excelente, a banda conta com as participações especiais de Wino (Saint Vitus) e Dale Crover (Melvins). Indicado para os fãs de The Shrine, Fu Manchu, Orange Goblin e Barn Burner.


Lamb of God - VII: Sturm Und Drang

Sturm Und Drang é uma expressão alemã que significa “tempestade e tensão”. Este é um título adequado para o álbum, que resume tudo que a banda passou ao longo dos últimos anos em um disco compacto e afiado. A típica agressividade do Lamb of God marca presença, mas há muita diversidade também. VII: Sturm Und Drang é um trabalho focado e energético de um dos maiores nomes do gênero, com o Lamb of God acrescentando mais um título de alto nível para o seu catálogo.


Immortal Bird - Empress/Abscess

Perturbador da melhor maneira possível: esta qualidade está presente em todo este disco de estreia - a banda já havia lançado um EP antes. Com Rae Amitay abrindo mão da bateria e concentrando-se apenas nos vocais, os rugidos que ele emite ganharam um destaque extra. As músicas refletem a raiva e um aumento no temperamento enegrecido da banda, de uma forma radical. Algumas notas com um piano sombrio em “To a Watery Grave” não fazem diminuir a forte sensação inibidora que a música da banda transmite. Um excelente disco!


Powerwolf - Blessed & Possessed

Esta parece ser a versão mais simplificada do Powerwolf. Cada faixa é construída a partir de linhas melódicas memoráveis, e a maioria das canções fica na faixa dos três minutos e pouco. Os ganchos são viciantes, tornando impossível não levantar o punho e bangear sem parar. O destaque vai para o vocalista Attila Dorn, dono de um timbre poderoso e de grande sabedoria ao usá-lo com maturidade, sem nunca atingir níveis ensurdecedores. A faixa-título inclui um riff clássico inspirado no Judas Priest e transforma-se em um hino instantâneo do metal.


Cradle of Filth - Hammer of the Witches

As mudanças de formação parecem ter energizado o Cradle of Filth. O som segue a linha dos discos recentes da banda inglesa. Há arranjos sinfônicos intensificados pelo heavy metal agressivo que é a marca registrada do grupo. Os últimos trabalhos do COF tiveram uma recepção dividida, com elogios e críticas na mesma proporção. A entrada de novos integrantes coloca tudo em outra perspectiva, mantendo a sonoridade fiel à tradição da banda.

(matéria traduzida)

A passo ousado que reinventou o The Who

14:45

Lançado em 1971 e considerado por muitos o melhor trabalho do The Who, Who's Next possui uma história tão rica quanto suas nove clássicas canções. 

Após o enorme sucesso alcançado por Tommy, a banda estava esgotada e de saco cheio da ópera rock que a consagrou. Buscando novos desafios, o grupo mergulhou em um projeto capitaneado por Pete Townshend chamado Lifehouse, que consumiu um ano de trabalho e parecia não levar a lugar nenhum. Estressados uns com os outros, com o grupo se destruindo internamente e com seu líder e principal compositor quase cometendo suicídio, o The Who resolveu recomeçar tudo do zero.

O primeiro passo foi demitir o produtor Kit Lambert, responsável por Lifehouse, e que estava com a banda desde o início. Glyn Johns chegou e foi essencial para que as coisas começassem a funcionar. Ouvindo tudo que já havia sido produzido para Lifehouse, Johns selecionou aquelas que considerou as melhores composições e as apresentou ao grupo. Foi só a partir deste momento que Townshend, Daltrey, Moon e Entwistle perceberam que tinham um ótimo material nas mãos. Empolgados, começaram a trabalhar nos rascunhos apresentados por Johns, evoluindo alguns arranjos, reescrevendo letras, enfim, transformando o que antes não passavam de ideias mal estruturadas em alguns dos maiores hinos da história do rock.

Who's Next abre com “Baba O´Riley” e sua característica introdução marcada pelo sintetizador tocado por Pete. De imediato, e até hoje, chama a atenção a sonoridade que a banda e o produtor conseguiram registrar no disco.

Além da canção de abertura, outras duas composições acabaram marcando Who's Next. A primeira é a linda balada “Behind Blue Eyes”. Construída a partir do violão de Pete, emociona com suas inspiradas linhas vocais, até alcançar o ápice com uma explosão sonora típica do grupo.

A outra é “Won´t Get Fooled Again”, espécie de mini-ópera progressiva e que, com o passar dos anos, se transformou em uma das canções mais emblemáticas da banda. Repleta de mudanças de andamento e com fartas doses de peso, traz uma letra inspiradíssima de Townshend e é, ainda hoje, impressionante.


Algumas curiosidades a respeito de Who's Next precisam ser mencionadas. A primeira é a respeito do nome do disco. Querendo se distanciar da sombra de Tommy, o grupo decidiu incluir o “next” no título como um sinal de que estava virando uma página em sua carreira, e que a partir dele surgiria um novo The Who. Outra é a respeito de sua capa, que traz os quatro urinando em um monolito localizado no Easington District Colliery, em County Durham, e que, ao mesmo tempo que é uma clara referência ao filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, lançado em 1968, é também uma metáfora ao seu passado, com o grupo mostrando claramente que estava buscando novos caminhos.

Vale citar que a qualidade mostrada pela banda em Who's Next foi reconhecida tanto pelos fãs, que compraram o disco maciçamente, quanto pelo crítica, que até hoje o considera um dos álbuns mais importantes da história.

Para quem quiser conhecer o disco, recomendo a edição remasterizada lançada em 1995, que traz, além das músicas originais, as faixas “Pure and Easy”, “Baby Don´t You Do It”, “Naked Eye”, “Water”, “Too Much for Anything”, “I Don´t Even Know Myself” e “Behind Blue Eyes”. A versão deluxe, lançada em 2003, também é fantástica, trazendo outakkes gravados no estúdio Record Plant em Nova York e uma apresentação da banda no The Young Vic, ambas registradas na época do lançamento original.

Mais que um clássico, Who's Next é um álbum absolutamente fundamental para quem busca entender o rock and roll. 

Banda Gentileza - Nem Vamos Tocar Nesse Assunto (2015)

11:48

Após seis anos, a Banda Gentileza retorna com um novo disco que deve cair nas graças de todos que baterem os ouvidos no trabalho. Nem Vamos Tocar Nesse Assunto foi lançado no início de julho e traz o grupo inspirado e afiadíssimo - nome aos bois: Heitor Humberto (vocal, guitarra, violão e violino), Jota Borgonhoni (guitarra, viola caipira, piano e teclado), Diego Perin (baixo) e Bruno Castilho (bateria).

Unindo letras bem humoradas e inteligentes, que não apelam para rimas fáceis e buscam sair do lugar comum, o grupo aborda temas do cotidiano com uma bem-vinda e certeira dose de acidez. Tendo como base o bom e velho rock and roll, os curitibanos carregam o ouvinte através de riffs criativos, arranjos bem feitos e o uso de coros que enfatizam o clima meio mambembe de sua proposta criativa.

A mixagem realça a crueza dos timbres, adicionando uma bem-vinda dose de agressividade às composições. O uso de metais e a absoluta tranquilidade e destreza com que a banda transita por outros gêneros - a abertura com ecos de Tangos & Tragédias da ótima “Eu Sempre Quis”, o hard de “Pesadelo”, a batida que une o samba ao rock em “Casa”, o reggae de “Por Onde Anda”  e a doce sutileza de “Tudo Teu” - faz com que cada faixa seja sempre uma agradável surpresa, revelando uma saudável pluralidade na musicalidade do quarteto.

Com uma absoluta falta de cerimônia em relação aos clichês e mandamentos do rock - ignorando-os por completo -, a Banda Gentileza explora de maneira criativa as infinitas possibilidades do gênero, entregando um disco agradável, pesado e dançante. E ainda possui a sabedoria e a maturidade de usar o bom humor na dose certa, fazendo o artifício nunca soar sem propósito ou exagerado.

Nem Vamos Tocar Nesse Assunto é um álbum maduro, que proporciona uma audição agradável e repleta de satisfação. A única queixa que fica é, na verdade, um simples e sincero pedido: não demorem 6 anos pra lançar o próximo álbum, por favor!

Encerrando: o nome da banda pode gerar uma impressão errada, levando o leitor a pensar que trata-se de algo suave e contemplativo. Nada disso: é rock, e dos bons!

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Um disco por dia: Lynyrd Skynyrd - Free Bird: The Movie (1996)

17:23

Uma das bandas mais cultuadas do rock, o Lynyrd Skynyrd tem uma história trágica. Dia 20 de outubro de 1977, apenas três dias após o lançamento do ótimo Street Survivors, álbum que vinha na esteira do duplo ao vivo One More From the Road, lançado no ano anterior e que consolidou o Skynyrd como um dos maiores nomes do rock norte-americano, o avião da banda caiu a caminho de um show na Universidade da Lousiana, matando o vocalista Ronnie Van Zant, o guitarrista Steve Gaines e a sua irmã, Cassie Gaines, que fazia backing vocals para o grupo, além do manager Dean Kilpatrick.

Lançado no dia 8 de agosto de 1996, quase vinte anos após o acidente, Free Bird: The Movie é a trilha sonora do documentário homônimo, que conta a carreira do grupo intercalado com imagens de diversos shows (com destaque para a apresentação no Knebworth Festival de 1976, abrindo para os Rolling Stones, onde tocaram em um palco em forma de língua e roubaram o show).

Todo o áudio de Knebworth foi restaurado pelo produtor Tom Dowd, o mesmo do clássico One More From the Road, enquanto que as versões de "What's Your Name" e "That Smell", gravadas no Convention Hall de Asbury Park, em Nova Jérsei, precisaram de overdubs de baixo, levando Leon Wilkinson a refazer as suas partes em estúdio.

Contraditoriamente, o vídeo continua inédito no Brasil (na época do seu lançamento, o VHS podia ser encomendado diretamente pelo site oficial da banda - o que fiz), enquanto que o CD ganhou versão nacional logo após o lançamento norte-americano.

Falar de um show do Lynyrd Skynyrd, o maior nome do southern rock, com a banda no auge durante a turnê de um dos seus melhores álbuns, é covardia. O disco é um desfile de clássicos, e abre com "Workin' For MCA", seguida de "I Ain't the One" e de um dos destaques do play, "Saturday Night Special", onde podemos sentir na pele todo o poder do paredão de guitarras formado por Gary Rossington, Allen Collins e Steve Gaines (só para constar: quando o Iron Maiden anunciou o retorno de Bruce Dickinson e Adrian Smith ao grupo em 1999, Steve Harris declarou não lembrar de nenhuma banda que tivesse feito algo relevante com três guitarras, com exceção do Lynyrd Skynyrd. O velho 'Arry sabe das coisas ...).

Como uma máquina do tempo que nos leva de volta ao passado, "Whiskey Rock-A-Roller" e a matadora "Travelin' Man" (outro destaque em um show repleto de pontos altos) fazem você se sentir no meio da multidão.

"Travelin' Man", aliás, merece um parágrafo a parte. Uma das melhores canções do grupo, tem a sua raiz em uma linha de baixo matadora de Leon Wilkinson, com as guitarras entrando aos poucos e se interligando completamente, como se, ao invés de três guitarristas, o Lynyrd Skynyrd tivesse apenas um, com seis braços tocando dezoito cordas. De arrepiar!

As versões de "What's Your Name" e "That Smell" presentes aqui, apesar dos overdubs citados, estão comprometidas pela qualidade do áudio, o que é uma pena, porque, além de ótimas composições, possuem um valor histórico muito grande, já que são um dos últimos registros ao vivo do grupo. Mas, mesmo assim, é um prazer incrível ouvir o solo inspiradíssimo de "That Smell", onde, mais uma vez, as guitarras de Rossington, Collins e Gaines formam uma parede sonora ao mesmo tempo poderosa e belíssima.

"Gimme Three Steps", a versão para "Call Me The Breeze" de J.J. Cale e "T For Texas (Blue Yodel No. 1)" abrem caminho para um encerramento sensacional, com os dois maiores clássicos do Skynyrd: "Sweet Home Alabama" e "Free Bird".

Marca registrada do grupo, "Sweet Home Alabama" foi gravada como uma resposta a "Southern Man" de Neil Young (do álbum After the Gold Rush, de 1970), crítica feroz do artista canadense ao comportamento racista predominante nos estados do sul dos Estados Unidos, pivô de diversos conflitos raciais e local de origem de associações como a Klu Klux Klan. Essa música encerra o registro do show em Knebworth.

Já "Free Bird" foi gravada em um estádio lotado durante o evento Day on the Green, no dia 3 de julho de 1977, alusivo à independência norte-americana, e traz uma emoção palpável. Quem assistiu ao vídeo lembra do estado do público, que parecia estar em transe coletivo enquanto a banda executava a música. Esse clima também pode ser sentido no registro em CD, onde o grupo toca o seu maior hino de maneira perfeita, com destaque para o pequeno solo improvisado pelo pianista Billy Powell e, é claro, para a guitarra de Allen Collins, que durante mais de seis minutos toca alucinadamente, em um dos maiores solos da história do rock. Pouco mais de três meses depois, a banda cairia literalmente dos ares e ficaria esfacelada.

Fechando o disco temos uma versão de "Dixie", canção que é considerada quase um hino sulista, executada pelo artista Bruce Brown.

Quem quer entender o rock and roll e suas transformações em seis décadas de vida precisa conhecer certas bandas, certos álbuns e certas músicas. Free Bird: The Movie mostra um dos maiores grupos dos anos 1970 no auge, com a sua melhor formação (Ronnie Van Zant no vocal, Gary Rossington, Allen Collins e Steve Gaines nas guitarras, Leon Wilkinson no baixo, Billy Powell no piano e Artymus Pyle na bateria), tocando em um de seus últimos shows. Precisa de mais algum motivo para ter este disco?

Acho que não.

Todos os dias, um review analisando um título da minha coleção. Leia no volume máximo e com a air guitar plugada.

O lindo céu azul do Wilco

14:34

Tá ouvindo Beatles?”. Não foram uma, nem duas, nem três pessoas que me perguntaram isso. Em qualquer hora e em qualquer lugar, bastava dar play em Sky Blue Sky, disco lançado pelo Wilco em 2007, pra vários amigos lembrarem, na hora, do quarteto de Liverpool. Mas o sexto álbum da banda norte-americana liderada pelo vocalista, guitarrista e gênio da melancolia Jeff Tweedy não é só isso (como se “só isso” fosse pouco).

Dizer que este disco representa uma volta às raízes não é correto. Ainda que em Sky Blue Sky não existam resquícios do experimentalismo presente aos montes nos dois trabalhos anteriores do grupo (Yankee Hotel Foxtrot, de 2002, e A Ghost is Born, de 2004), o caminho mais básico tomado por Tweedy e seus companheiros parece apontar mais para o futuro do que para uma retomada das suas origens.

Aquele som, rotulado como alt country, presente nos três primeiros registros da banda (A.M., Beign There e Summerteeth), ficou para trás. A simplicidade das canções de Sky Blue Sky segue outra linha. É claro que a maior influência da banda, o onipresente Neil Young, se faz notar em vários momentos, principalmente nos belos solos de guitarra, mas agora o bardo canadenses ganha novas companhias. As mais evidentes são os já citados Beatles, Steely Dan, a carreira solo de Paul McCartney e o John Lennon fase Mind Games.

As doces melodias, grudentas e agradáveis, vêm carregadas com um forte sabor setentista. “Shake It Off” e “You Are My Face” pagam tributo a Lennon. A presença de McCartney pode ser ouvida em “Walken” e na doce “Please Be Patient With Me”. A abertura do disco, com a melancólica “Either Way”, faz sorrir qualquer pessoa que possua um coração.


Entretanto, a grande música de Sky Blue Sky atende pelo nome de “Impossible Germany”. Como já havia feito com “Jesus etc” em Yankee Hotel Foxtrot e com “Hummingbird” em A Ghost is Born, Jeff Tweedy mostra enorme talento, construindo uma canção repleta de detalhes e nuances. Linhas vocais calmas, uma melodia inspirada e solos de guitarra que expressam amores vividos, corações partidos e olhares apaixonados - e se entrelaçam em notas e melodias capazes de agradar até ao mais ferrenho fã do Lynyrd Skynyrd.

Outros pontos altos são as lindas acústicas “Sky Blue Sky” e “What Light” (essa última totalmente Beatles), as baladas “Hate It Here” e “Leave Me (Like You Found Me)” e o encerramento, com a emocional “On and On and On”.

Sky Blue Sky não é, como eu já disse antes, tão experimental quanto Yankee Hotel Foxtrot, mas isso não diminui seu valor, muito pelo contrário. Ele é um álbum muito mais audível, que resgata o sentido do termo pop music, tão mal usado ultimamente. Sky Blue Sky tem um ar e uma sonoridade que nos passam a sensação de que estamos ouvindo um trabalho gravado, por exemplo, em 1971.

Um disco esplêndido, de uma das melhores bandas que o mundo ganhou nas últimas décadas. Pra mim, o melhor que o Wilco já gravou.

O novo filme do Quarteto Fantástico, um papo com Tom Araya e o Arsenal em ação inspirada e divertida com seus torcedores

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Um disco por dia: Von Hertzen Brothers - Stars Aligned (2011)

18:10

Foo Fighters tocando os maiores sucessos do Pink Floyd depois de passar alguns anos na Índia ouvindo muito Beach Boys”. Essa definição estava no release distribuído à imprensa e tentava definir o som do Von Hertzen Brothers aos não iniciados na banda. Ouvindo Stars Aligned, quarto disco do grupo, percebe-se que quem a cunhou foi muito feliz.

Mas, a princípio, os irmãos Von Hertzen - Mikko (vocal e guitarra), Kie (guitarra e vocal) e Jonne (baixo) - não tocavam juntos. Cada um dos três trilhava seu próprio caminho em diferentes bandas em seu país natal, e com bastante sucesso. A ideia de reunir forças nasceu por acaso, na festa de aniversário do pai, onde foram fazer uma jam e perceberam, enfim, que a química estava, literalmente, no sangue.

Stars Aligned foi o disco responsável por fazer o Von Hertzen Brothers colocar os pés para fora da Finlândia pela primeira vez. A ótima repercussão dos CDs anteriores, que foram muito bem aceitos tanto pela crítica quanto pelos fãs, fez com que a gravadora apostasse na carreira internacional do trio. Basta dar play para perceber porque.

O Von Hertzen Brothers executa um rock que vai do pop ao prog com naturalidade. As composições, cheias de camadas instrumentais, trazem primorosos arranjos vocais, em uma saudável influência de nomes como Queen e Yes. Há elementos também do hard rock e até mesmo do heavy metal na rica sonoridade do grupo, que impressiona pelo extremo bom gosto.

Há momentos emocionantes e sublimes, como “Voices in Our Heads”, uma composição espetacular e, sem exageros, brilhante. Essa alta qualidade é marcante em diversas faixas, como “Miracle”, “Gloria” e “Angel's Eyes”. A exploração de elementos da música oriental dá, além de um ar diferenciado à música do Von Hertzen Brothers, um bem-vindo clima de mistério e misticismo totalmente apropriado para a capacidade inerente que o álbum possui de levar o ouvinte a outras dimensões.

Outra característica marcante do grupo está em possuir uma clara aura setentista que não soa, em nenhum momento, datada. Apesar de essa parecer uma afirmação meio contraditória a princípio, escutando o disco percebe-se a maneira única com que o trio utiliza elementos do período clássico do rock na construção da sua música, mostrando inteligência em arranjos que nunca soam exagerados ou desnecessários. Um ótimo exemplo está em “Bring Out the Snakes”, que soa como o Pink Floyd clássico dos anos 1970.

A audição de Stars Aligned é uma experiência incrivelmente prazerosa e gratificante, algo raro nos tempos em que vivemos. É impossível ficar impassível diante de tamanha musicalidade exteriorizada em composições fortíssimas, donas de uma personalidade inquieta e desafiadora.

Ouça e conheça a sua nova banda favorita!

Todos os dias, um review analisando um álbum da minha coleção. Leia no volume máximo, ouça com o coração aberto.

Pra atualizar os ouvidos: Playlist Novos Sons Brasileiros

17:32

É comum ouvir por aí: o rock brasileiro não existe mais. Mais comum que isso, só o erro que ele comete: não tá morto coisa nenhuma!

Existem inúmeras bandas e artistas de qualidade Brasil afora, fazendo música de altissimo nível, agora mesmo. 

Pra ajudar você a chegar lá, compilei diversos nomes - dentro e fora do rock, não importa - com sons legais e que merecem chegar aos ouvidos de mais e mais pessoas, sempre e cada vez mais.

Ouça na playlist abaixo, e, se curtir, divulgue pra galera, pros seus contatos, pros amigos, brothers e vizinhos.

Abração!

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O Papai é Pop, livro do Marcos Piangers

17:29

Marcos Piangers é um jornalista e radialista muito popular em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Ele faz parte da equipe do programa Pretinho Básico, a maior audiência da Atlântida, rede de rádios do grupo RBS destinada ao público jovem. Na verdade, o Piangers é, disparado, o melhor e mais engraçado dos comunicadores do programa.

Tudo isso fez com que a RBS abrisse mais espaço para o rapaz, dando uma coluna semanal para o Marcos no jornal Zero Hora, onde ele fala da experiência de ser pai. E é justamente a reunião dessas crônicas do dia a dia e das aventuras da paternidade que compõe o primeiro livro do jornalista.

O Papai é Pop acaba de chegar às livrarias, e é uma delícia. Dono de um texto leve e divertido, Marcos Piangers conta em cada uma das páginas do livro as experiências que viveu e segue vivendo ao lado de suas duas filhas - Anita, de 8 anos, e Aurora, de 2. Pra quem já teve a alegria de ter um filho, é impossível não se identificar com os relatos de Piangers - até porque, mudando apenas o nome dos personagens, são situações bastante similares às que experimentamos ao lado de nossos próprios filhos.

Com 112 páginas impressas em papel de alta gramatura, capa dura e uma direção de arte que transpõe para o papel a leveza e o alto astral dos textos, O Papai é Pop é uma leitura fácil e divertidíssima, que garante sorrisos e reflexões de maneira simultânea. É um retrato interessante dessa geração da qual eu e o Piangers fazemos parte, esses pais de 40 e poucos anos que são muito diferentes dos nossos pais. Garotos adultos que consomem cultura pop em excesso, que dividem com seus filhos o gosto por séries, HQs, cinema e música de uma maneira impensável em um passado não tão distante. Ao relatar em suas crônicas as aventuras, e também os medos e anseios dessa geração, Piangers consegue proporcionar uma identificação instantânea e imediata com o leitor, sensação que é intensificada pelo bom humor onipresente.

O Papai é Pop é um livro delicioso e indicado para pais, mães, filhos e todo mundo que deseja saber mais sobre esse animal tão fascinante: nós, os seres humanos. Aproveite que o Dia dos Pais está chegando e dê de presente pro seu, ou pra você mesmo.

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