Wishbone Ash
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A origem das guitarras gêmeas, aquela alquimia fantástica que leva os guitarristas de uma banda a tocarem melodias e solos de maneira simultânea, em um entrosamento arrepiante, é até hoje discutida entre pesquisadores e críticos musicais. A teoria mais aceita é que o termo surgiu do trabalho de grupos como a Allman Brothers Band, que em seus três primeiros discos, ainda com Duane Allman na formação - The Allman Brothers Band (1969), Idlewild South (1970) e o antológico ao vivo At Fillmore East (1971) - já apresentava um elaborado e complexo entrelaçamento entre as guitarras de Duane e Dickey Betts, o que, somado às influências de blues e jazz do grupo, resultou em um som único, regado a longas jams instrumentais, principalmente nos shows.
Os pioneiros do southern rock, como a banda dos irmãos Allman e o Lynyrd Skynyrd, tiveram papel fundamental na concepção e no desenvolvimento desse novo e definitivo capítulo na história da guitarra. O Skynyrd, principalmente, levou o trabalho de guitarras para estratosfera, fazendo seu trio de instrumentistas levantar vôo alto e chegar até onde ninguém antes havia estado - "Free Bird" está aí como prova definitiva. Além deles, outras duas bandas foram essenciais nesse quesito: o Thin Lizzy e o Wishbone Ash. Enquanto o grupo do vocalista e baixista Phil Lynott começou a desenvolver as twin guitars a partir da substituição de Eric Bell - até então único guitarrista do grupo - pela dupla formada por Scott Gorham e Brian Robertson, que estreou no quarto disco dos irlandeses, Night Life (1974), o Wishbone Ash já trazia essa característica desde sua formação, em agosto de 1969. Mas, ainda que os dois primeiros álbuns - Wishbone Ash de 1970 e Pilgrimage de 1971 - demonstrassem essa faceta, foi em Argus, terceiro LP dos ingleses, que ela se revelou por inteira, em toda sua beleza, complexidade e magia.
Lançado em 28 de abril de 1972, Argus é o mais conhecido disco do Wishbone Ash, além de ser considerado o melhor trabalho da banda pela imensa maioria dos fãs e críticos. Contando com seu line-up clássico - Martin Turner (vocal e baixo), Andy Powell (guitarra e vocal), Ted Turner (guitarra e vocal) e Steve Upton (bateria) -, o Wishbone Ash concebeu um dos mais belos registros da década de 1970. O álbum foi gravado no De Lane Sea Studios, em Londres, em janeiro de 1972, e teve produção de Derek Lawrence, que havia produzido os três primeiros LPs do Deep Purple. O engenheiro de som foi Martin Birch, que mais tarde se tornaria famoso por trabalhos ao lado do Iron Maiden.
As sete faixas de Argus trazem uma alquimia precisa entre rock progressivo, folk (com grandes doses de música celta) e hard rock, resultando em um som ímpar. Mas a principal característica do play, indiscutivelmente, é o brilhante trabalho de Powell e Turner na construção de belíssimas melodias com suas guitarras, que se entrelaçam em arranjos complexos que progridem em harmonias celestiais, levando o ouvinte para outras dimensões. Argus é o ponto zero das guitarras gêmeas. Por mais que algumas bandas já tivessem experimentado essa característica antes e outras também o fariam depois, foi neste disco que o conceito foi definido, de maneira sólida e pra lá de influente.
O LP abre com "Time Was" e sua bela introdução acústica, que serve de base para os vocais de Martin e Ted Turner. Após esse trecho, a faixa evolui para uma empolgante levada, com cativantes linhas vocais e longos trechos instrumentais repletos de inspiração, antecipando o que estava por vir. A balada "Sometime World" é cantada por Martin com uma forte carga de emoção, o que torna a faixa ainda mais profunda. Destaque para os delicados arranjos e solos de guitarra, mostrando que não é preciso tocar à velocidade da luz para ser considerado um grande instrumentista. A mudança de andamento no meio da faixa leva a um trecho muito mais acelerado, novamente com longas passagens instrumentais entrecortadas por ricas harmonias vocais. Sensacional!
"Blowin´ Free", uma das músicas mais conhecidas do Wishbone Ash, vem a seguir, e é impossível, mesmo passados mais de quarenta anos de sua gravação, não se arrepiar com o riff inicial da canção. Os vocais são divididos entre Martin, Ted e Andy Powell, em um resultado final sublime. Essa faixa é simplesmente um hino, perfeita para pegar a estrada sem rumo, sem destino e sem hora pra chegar.
"The King Will Come" dá sequência ao play. Aqui, as guitarras são um show à parte, alternando-se entre riffs inspirados e solos furiosos, isso sem falar nos vocais, agora divididos entre Martin e Andy, quase espirituais em certos momentos. Resumindo: uma composição brilhante!
"Leaf and Stream" dá uma acalmada nas coisas, e nela podemos perceber claramente as influências celtas no som do Wishbone Ash, principalmente pelas linhas vocais de Martin Turner. Os solos esbanjam classe e delicadeza, mostrando todo o talento de Andy Powell e Ted Turner. Uma ótima canção acústica.
O disco fecha em grande estilo, com duas de suas melhores faixas. "Warrior" é um hard classudo com grandes melodias, alternância de andamentos e um refrão marcante. Já "Throw Down the Sword" surge nos alto-falantes evoluindo sobre uma bela harmonia de guitarras, culminando com um solo duplo sensacional em seu final, onde as duas guitarras se cruzam e se complementam.
Uma coisa que chama a atenção ainda hoje é o timbre alcançado pelos instrumentos de Andy Powell e Ted Turner. Suas guitarras soam puras e limpas, sonoridade essa que realça ainda mais todos os detalhes dos riffs e arranjos presentes no álbum. Sem dúvida, Argus tem um dos mais belos timbres de guitarra já gravados, fácil, fácil.
O impacto do disco foi imediato e duradouro. O álbum foi muito bem aceito pelos fãs e pela crítica. A revista inglesa Sounds Magazine elegeu Argus como o álbum do ano de 1972. O sucesso foi tamanho que um público muito maior que o habitual começou a ir aos shows do Wishbone Ash, transformando a turnê de divulgação em uma das mais concorridas do biênio 1972-1973.
Em 1991 Argus teve sua primeira edição em CD, e como atrativo extra trouxe como bônus "No Easy Road", originalmente lançada como b-side do single de "Blowin´ Free". Em 2002 o disco ganhou uma reedição remasterizada, que incluiu as três faixas lançadas originalmente no EP promocional Live from Memphis, de 1972 - "Jail Bait", "The Pilgrim" e "Phoenix" -, gravadas ao vivo nos estúdios da WMC FM.
Finalmente, em 2007 foi lançada uma deluxe edition da Argus, com nada mais nada menos que onze faixas bônus. Além das já conhecidas "No Easy Road" e das versões de "The Pilgrim" e "Phoenix" do Live from Memphis, o disco trouxe seis faixas gravadas ao vivo em um evento chamado BBC in Concert - "Time Was", "Blowin´ Free", "Warrior", "Throw Down the Sword", "The King Will Come" e "Phoenix" -, e duas registradas durante as famosas BBC Sessions - "Blowin´ Free" e "Throw Down the Sword".
A tour de Argus gerou o estupendo duplo ao vivo Live Dates, lançado em 1973, que traz quatro faixas do álbum - "The King Will Come", "Warrior", "Throw Down the Sword" e "Blowin´ Free" -, além de versões definitivas para "The Pilgrim" e "Phoenix", essa última com mais de dezessete minutos de duração. Se você curte álbuns ao vivo, anote a dica: Live Dates é um dos melhores registros da década de 1970, obrigatório em qualquer coleção de hard rock.
Além de ser o marco zero das guitarras gêmeas, que influenciariam inúmeros grupos no futuro, notoriamente os gigantes do metal britânico Judas Priest e Iron Maiden (o próprio Steve Harris declarou inúmeras vezes ser um grande fã do disco), Argus é o ápice da longa discografia do Wishbone Ash. Um dos mais belos discos já gravados, mantém viva a sua capacidade de emocionar o ouvinte a cada nova audição. Só isso já diz muito sobre a qualidade da música que corre em seus sulcos.
Clássico e obrigatório, nesse caso, ainda é pouco.
Wishbone Ash e o nascimento das guitarras gêmeas
Reviewed by
Ricardo Seelig
on
13:13
Rating:
5
Interessante esse resgate de alguns textos da Collectors por aqui. É sermpre bom reler coisa boa!
ResponderExcluirEstou tentando achar esse disco, mas está difícil... Alguma dica?
ResponderExcluirS Jr já tentou encomendar?! Comprei uma edição de luxo, comemorativa de 35 anos em uma loja de Shopping aqui em BH. Bem acessível.
ExcluirExcelente matéria, belo texto. Só uma correção, o nome da música é "Sometime World" e não "Something World" como está no texto!!!
ResponderExcluirCorrigido. Obrigado pelo toque, Raphael.
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