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A cena rock de Brasília da década de 1980 não era formada apenas por nomes como Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude. Uma das bandas mais cultuadas dessa época, mas que acabou não alcançando o sucesso nacional do trio citado acima, foi o Detrito Federal. Seu primeiro álbum, Vítimas do Milagre, lançado em 1987, é um clássico incontestável do punk rock brasileiro.
O grupo nasceu em 1983, de uma dissidência do também punk Derrame Cerebral, de onde saíram o vocalista Alexandre "Podrão" Veiga e o guitarrista João Bosco. A dupla uniu forças com a baixista Mila Menezes (que mais tarde integraria o Volkana) e o baterista Paulo César "Cascão".
O primeiro registro do grupo foi na compilação Rumores, lançada pelo selo Sebo do Disco em 1985. O Detrito Federal participou com as faixas "Fim de Semana" e "Desempregado". Os outros grupos presentes foram o Finis Africae, a Elite Sofisticada e a Escola de Escândalos. Esse LP é bastante raro de se encontrar hoje em dia, já que foram prensadas apenas 1.000 cópias do mesmo.
Apesar da boa repercussão, no final de 1985 Mila e Bosco deixam a banda. Seus postos são preenchidos pelo guitarrista Will Pontes e pelo baixista Paulinho. Ainda como reflexo da ótima impressão causada pela coletânea Rumores, em janeiro de 1986 o Detrito Federal participa do Mixto Quente, da Rede Globo, programa esse que era transmitido diretamente das praias do Rio de Janeiro para todo o país. A participação solidifica a reputação da banda e projeta seu nome para um número maior de ouvintes, ao mesmo tempo em que causa um racha no conjunto, com o vocalista Alexandre Podrão deixando a banda e acusando os membros restantes de "traidores do movimento", já que eles teriam "se vendido para o sistema". Podrão junta-se ao ex-guitarrista Bosco, e juntos montam o BSB-H.
Cascão decide assumir os vocais, e Luciano Dobal vira o titular da bateria. Nessa confusão toda, outro que pula fora do barco é o baixista Paulinho, sendo substituído por Milton Medeiros. Sob a liderança de Cascão, o Detrito Federal faz algumas mudanças em seu som e torna-se menos radical, deixando de lado o visual punk e aproximando-se da sonoridade dos grupos de Brasília que estavam estourando no Brasil naquela época, como Legião, Plebe e Capital.
O line-up é novamente alterado, com a entrada de Simone Death (ou Si Young, aquela mesmo que, anos mais tarde, ficaria famosa em todo o Brasil como Syang no programa Casa dos Artistas, do SBT) e Mauro Manzolli nas guitarras e Deborah Derwish na bateria. Finalmente estabilizados, assinam com a Polygram e entram em estúdio para gravar o seu disco de estreia, produzido pelo baterista dos Titãs, Charles Gavin, e batizado como Vítimas do Milagre.
Lançado em 1987 e contando com uma capa pra lá de provocativa, o play apresenta um som vigoroso e agressivo, com canções simples construídas sobre três acordes. O principal destaque são as letras, repletas de ironia e inteligência. O álbum abre com a grudenta "Se o Tempo Voltasse", cuja ótima letra possui a clássica frase "se o seu pai pudesse escolher, você acha que o filho seria você?". De arrepiar quem viveu naquela época e tinha o disco como uma das trilhas sonoras da sua adolescência.
O play segue com "Adolescência", poema de Paulo Leminski musicado pelo grupo. "O Vírus do Ipiranga" é uma pérola do rock brazuca, um petardo cuja letra faz uma crítica feroz e certeira ao Brasil, tendo como base a letra do hino nacional. Ouça e delicie-se! "Sun City" tem um bom riff de Syang e um andamento mais funkeado, enquanto "Bloco K" é o retrato fiel dos jovens brasilienses do período.
O lado B abre com "Último Grito", cadenciada e com influências da new wave. A faixa título une o punk com algumas características country, e, mais uma vez, a letra merece destaque. A agressiva e chiclete "Tá Com Nada" é um dos grandes destaques do disco, e ouvir sua letra imaginando que situações e personagens atuais poderiam substituir os citados é um retrato, infelizmente verdadeiro, da realidade do nosso país. O disco fecha com a pauleira de "Angra (A Dança das Ogivas)", que critica as usinas nucleares instaladas pelo governo militar na cidade de Angra dos Reis.
Vítimas do Milagre alcançou boas vendas - cerca de 50 mil cópias -, e levou a banda a tocar em programas de repercussão nacional, como Perdidos na Noite e Clube do Bolinha. Infelizmente, até onde eu sei o álbum não foi relançado em CD, estando disponível apenas através do vinil original de 1987.
Apesar da boa receptividade do disco, a Polygram dispensou o grupo, o que gerou uma nova debandada geral. Simone Death virou Syang e formou o P.U.S., Milton Medeiros foi para o Rio de Janeiro estudar produção musical na escola de Antônio Adolfo e Deborah foi morar nos Estados Unidos. Mesmo assim, o Detrito Federal manteve-se ativo com inúmeras formações ao longo dos anos, e chegou a lançar mais dois discos (o EP Guerra, Guerrilha, Revolução em 2002 e o CD 1983, em 2005), ambos com momentos interessantes, mas inferiores à sua estreia.
Nunca ouviu o Detrito Federal? Então aproveite esse texto e vá atrás de Vítimas do Milagre, um dos maiores clássicos da história do punk rock brasileiro. Você não vai se arrepender.
Detrito Federal, um clássico do punk rock brasileiro
Reviewed by
Ricardo Seelig
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17:12
Rating:
5
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