quinta-feira, 30 de julho de 2015

Caminhando sobre a lua: a história do Concrete Blonde


Um dos nomes mais importantes do rock alternativo norte-americano dos anos 1990, o Concrete Blonde tem uma carreira repleta de excelentes discos e canções marcantes, onde o feeling é o prato principal de uma sonoridade que traz elementos de hard rock, surf music e gótico. 

O embrião da banda nasceu em 1982, em Los Angeles, quando a vocalista e baixista Johnette Napolitano e o guitarrista James Mankey formaram o Dream 6. O conjunto durou pouco e lançou apenas um EP, auto-intitulado, pela gravadora francesa Happy Hermit, mas que não deu em nada. A dupla seguiu na ativa compondo e se apresentando pela Califórnia, e em 1986 assinou com a I.R.S. Records. Por sugestão do colega de selo Michael Stipe, vocalista da então novato R.E.M., resolveram trocar o nome para Concrete Blonde, termo que, segundo Stipe, descrevia com perfeição o contraste entre o som pesado e cheio de energia e as letras extremamente introspectivas de Johnette.

Uma curiosidade: “concrete blonde” era também um termo depreciativo aplicado às bandas de hard rock de Los Angeles, cujos músicos usavam e abusavam de permanentes e sprays fixadores para armar as suas discutíveis cabeleiras. Bata o olho em algumas imagens do período, de nomes como Ratt e Poison, e entenda.


Johnette e Mankey chamaram então o baterista Harry Rushakoff (que havia tocado no Special Effect, primeira banda de Al Jourgensen, do Ministry), entraram em estúdio e saíram de lá com um excelente disco de estreia. Lançado em 1986, Concrete Blonde, o álbum, foi aclamado pela crítica, que adorou o rock alternativo com elementos de punk e gótico do trio. Produzido por Earle Mankey - guitarrista do Sparks e responsável por álbuns das Runaways, The Dickies e The Three O’Clock -, o LP trazia doze faixas refrescantes, todas compostas por Johnette Napolitano - as exceções são a instrumental "True”, de James Mankey, e a ótima versão para “Beware of Darkness”, de George Harrison.

Nesse primeiro disco já ficaram claras as principais características do grupo. Tendo como elemento principal a bela voz grave de Johnette, sempre emoldurada pela guitarra cheia de personalidade de Mankey, o Concrete Blonde chamou a atenção com composições fortes e muito bem construídas como “Dance Along the Edge”, “Over Your Shoulder” e “Cold Part of Town”. Ao lado delas, explosões sonoras que mostravam as raízes punks do trio e soavam como verdadeiros tapas na orelha, como “Your Haunted Head” e “Still in Hollywood”. E, fechando com chave de ouro, as pequenas jóias pops “Song for Kim (She Said)” e “Little Sister”.

O disco rendeu três singles - “Still in Hollywood”, “Dance Along the Edge / Make Me Cry” e “True / True II” e recebeu boas críticas na imprensa especializada. O trio rodou os Estados Unidos tocando sem parar, e retornou ao estúdio somente em 1988. 


Trabalhando novamente com Earle Mankey, contando com a mixagem de Chris Tsangarides e com mais um guitarrista na formação - Alan Bloch -, a banda gravou dez novas faixas, que foram lançadas no início de 1989 no álbum Free. O som estava diferente, com uma personalidade mais forte, com menos elementos do punk e uma presença maior de características góticas.

Está em Free o primeiro grande hit do Concrete Blonde, “God is a Bullet”, parceria de James Mankey e Johnette Napolitano - que, mais uma vez, respondeu por todas as composições. O disco é mais pesado, mais sombrio, que o debut. Destaque para “Roses Grow” - uma espécie de rap construído apenas com a bateria e os vocais de Johnette -, “Scene of a Perfect Crime”, a arrepiante “Little Conversations”, “Carry Me Away” e o pop perfeito de “Happy Birthday”. Vale mencionar também a boa releitura de “It’s Only Money”, do Thin Lizzy, e a linda capa, criada por Johnette em parceria com a artista Anne Sperling.

Devido ao vício em heroína, Harry Rushakoff deixou o grupo em 1990. Para o seu lugar a banda recrutou o ex-baterista do Roxy Music, Paul Thompson, e voltou a ser apenas um trio. A entrada do experiente músico colocou o Concrete Blonde um nível acima, e o resultado foi o espetacular Bloodletting, lançado em 19 de setembro de 1990 e o trabalho preferido de grande parte dos fãs.


A veia gótica ficou ainda mais saliente no terceiro disco, produzido pela própria banda ao lado de Chris Marshall. As dez composições formam um painel que retrata com perfeição o início da década de 1990 no rock norte-americano, que levou à popularização da cena alternativa. O álbum conta com as participações especiais de Peter Buck, guitarrista dos brothers do R.E.M., tocando mandolin em “Darkening of the Light”, e Andy Prieboy, do Wall of Voodoo, responsável pelo teclado na versão de “Tomorrow, Wendy”, do seu próprio grupo.

Uma verdadeira obra-prima, Bloodletting é um clássico do rock alternativo ianque. Novamente com todas as faixas compostas por Johnette Napolitano, o disco tem grandes músicas como “Bloodletting (The Vampire Song)”, “The Sky is a Poisonous Garden”, a já citada “Darkening of the Light” e a doce “Lullabye”. Mas os pontos mais altos são “Caroline”- uma espécie de road song gótica -, a linda “Joey” - cuja letra conta a história da paixão pelo álcool e é uma das mais pessoais escritas por Johnette - e “Tomorrow, Wendy”, que se transformou em hino graças à letra, que conta os últimos momentos de uma paciente terminal de AIDS - a doença vivia, naquela época, os seus primeiros e aterrorizantes anos, apavorando milhões em todo o planeta.

Bloodletting foi o mais próximo que o Concrete Blonde chegou do mainstream. O sucesso inesperado de “Joey” - a faixa chegou à posição 19 nas paradas da Billboard - fez o trio arranhar o sucesso, e a canção acabou se transformando em um dos maiores hits do rock americano dos anos noventa, presente em dezenas de compilações.


O passo seguinte foi o também excelente Walking in London, lançado em 10 de março de 1992. No disco, o trio retomou a parceria com o renomado Chris Tsangarides, responsável pela produção em parceria com a própria banda. O LP marcou também o retorno de Harry Rushakoff após um período em uma clínica de reabilitação. O baixista Tom Petersson, do Cheap Trick, participou tocando em várias faixas.

Walking in London trouxe o Concrete Blonde explorando uma sonoridade um pouco mais pesada, mas mesmo assim mantendo o ambiente sombrio e marcante do gótico. Johnette, novamente responsável por todas as faixas - a exceção é o cover para “It’s a Man’s World”, clássico de James Brown -, experimentou em algumas canções, como na bela “Les Coeurs Jumeaux”, cantada em francês, e na própria releitura de “It’s a Man’s World”, que aparece como um surpreendente blues com tempero gótico. A marcante faixa-título, a linda “Why Don’t You See Me” e “Someday?” - outra jóia pop - são os destaques.


O Concrete Blonde atingiria o ápice no disco seguinte, o ótimo Mexican Moon, lançado em 19 de outubro de 1993. Tendo como tema central o celebração do Dia dos Mortos, data tradicional da cultura mexicana, Johnette alcançou o topo como compositora. Produzido pela banda e por Sean Freehill, o trabalho é praticamente um disco de hard rock, e tem pouco da sonoridade gótica dos álbuns anteriores. Paul Thompson assumiu novamente a bateria, tocando na maioria das faixas enquanto Rushakoff passava por uma nova internação.

A linda faixa-título, que também marca presença em uma interessantíssima versão em espanhol batizada como “Bajo la Lune Mexicana”, é uma das melhores músicas da carreira do grupo. Além dela, a pesada “Heal It Up” - cujo clipe rolou bastante na MTV brasileira -, “Rain”, “Close to Home” e “End of the Line” - de Bryan Ferry - são os principais destaques de um trabalho excelente.

Infelizmente, Mexican Moon acabou sendo o canto do cisne do Concrete Blonde. A banda se separou após a turnê. Mas os fãs não ficaram na mão. Em 1994 foi lançada a ótima compilação Still in Hollywood, com faixas ao vivo, b-sides e material inédito, e em 1996 foi a vez da coletânea Recollection chegar às lojas. Se você nunca ouviu o grupo, recomendo esses dois CDs.

Entretanto, o fim foi apenas temporário. A banda retornou em 1997 com o curioso Concrete Blonde y Los Illegals, gravado ao lado dos compatriotas punks Los Illegals. O disco é bem interessante, e duas das dez faixas entram, certamente, entre os melhores momentos da carreira do grupo - “Viva La Vida” e “La Llorona”. O retorno acabou sendo breve, e os caras se separaram mais uma vez.

O retorno (definitivo?) do Concrete Blonde aconteceu somente em 2001, e de lá para cá a banda tem se mantido ativa, ainda que um tanto bissexta. Desde então já lançaram dois trabalhos de estúdio - Group Therapy (2002) e Mojave (2004) -, ambos apenas medianos, além do duplo ao vivo Live in Brazil (2003), gravado durante a turnê brasileira de 2002. Atualmente, ao lado da dupla Johnette e Mankey está o batera Gabriel Ramirez Quezada.



Johnette Napolitano vive em Los Angeles cercada por dezenas de gatos e lançou alguns álbuns solos no decorrer dos anos. Já James Mankey gravou com a banda Sparks e também colocou no mercado um disco instrumental em 2003.

A força do Concrete Blonde está nas composições de sua líder, vocalista e baixista. Extremamente talentosa e com um talento nato para a melodia, Johnette Napolitano, apesar de pouco reconhecida, é uma das maiores compositoras do rock norte-americano dos anos 1990. Seu trabalho é profundo, extremamente pessoal e tocante, causando identificação com pessoas das mais variadas classes e países. No Brasil, a banda é associada ao surf devido à grande popularidade que possui junto aos adeptos do esporte, mas a sua música vai muito além. Complexa, densa e dona de uma beleza arrebatadora, a obra do Concrete Blonde está entre os pontos mais altos do rock produzido nos Estados Unidos nas últimas décadas.

Se você nunca ouviu o grupo, aproveite este texto e conheça já os discos. Se já conhece, redescubra. Afinal, nunca é demais ouvir música de qualidade.

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