quinta-feira, 28 de maio de 2015

John Lennon, U2 e Larry Norman: a trilogia “God"


“God” é uma das canções mais emblemáticas de John Lennon. Presente em Plastic Ono Band (1970), primeiro álbum solo após ele deixar os Beatles, marcou época por sua letra, onde o compositor lista uma enormidade de pessoas, crenças e sentimentos em que não acredita.

É preciso contextualizar o momento pelo qual John estava passando quando gravou o álbum e a canção. Após sair dos Beatles, conheceu o trabalho do psicólogo norte-americano Arthur Janov através de uma cópia do livro The Primal Scream, enviado pelo próprio Janov para o casal Ono Lennon. Yoko e John leram a obra e ficaram interessados no trabalho de Janov, que viajou a Londres para encontrar pessoalmente a dupla e apresentá-los a sua abordagem. John e Yoko ficaram fascinados pelo método, e decidiram ir para Los Angeles para realizar um tratamento na clínica de Janov.

A terapia do grito primal desenvolvida por Arthur Janov prega que o indivíduo deve expressar e colocar para fora todos os sentimentos que o atormentam, para assim conseguir se livrar deles e alcançar, consequentemente, a cura. Levando ao pé da letra os ensinamentos de Janov, John Lennon começou a escrever canções que seguiam essa linha de pensamento, e o resultado foi apresentado ao mundo em Plastic Ono Band. Lançado em 11 de dezembro de 1970, o disco traz algumas das canções mais famosas e pessoais de Lennon, incluindo “Mother" (onde fala da relação com Julia, sua mãe), “Isolation”, “Working Class Hero” e “God”. 

Esta última causou enorme discussão e controvérsia quando foi lançada, pois continha uma letra abertamente anti-religião e um longo discurso onde John gritava ao mundo a lista de personalidades, crenças e sentimentos nos quais não acreditava, fechando com a famosa frase “the dream is over”, adotada como lema pelos milhões de Beatlemaníacos de todo o planeta após o fim da banda inglesa.

O verso inicial de “God" tem John Lennon afirmando que “Deus é um conceito pelo qual medimos nossa dor”, frase que é repetida pelo artista para reafirmar o seu ponto de vista. Após essa introdução, o Beatle declama a sua famosa lista de “don't believes”, citando, em sequência, a magia, I-Ching, a bílbia, o tarô, Hitler, Jesus, John Kennedy, Buda, Mantra, Gita, a ioga, reis, Elvis Presley, Bob Dylan e, finalmente, os Beatles. Para então afirmar, de maneira clara e eloquente, que só acredita em si mesmo e em Yoko. A parte final é um dos mais belos momentos do Lennon letrista, onde John canta que “essa é a realidade, o sonho acabou, o que posso dizer?”, completando que “antes eu era um apanhador de sonhos, mas agora renasci, antes eu era a morsa (em alusão à canção “I Am the Walrus”), mas agora sou apenas John”, fechando com um pedido: “Então, caros amigos, você precisam continuar, o sonho acabou”.

O impacto de “God" foi enorme na cultura pop. A frase “I don’t believe in Beatles, I just believe in me” está em um dos diálogos do filme Curtindo a Vida Adoidado. David Bowie cita a canção em “Afraid”, faixa do disco Heathen (2002), afirmando que “I believe in Beatles”. Há diversas referências em peças de teatro, canções, filmes, livros, artigos de revistas e o que mais se possa imaginar. 


No entanto, duas das consequências mais interessantes de “God" estão na forma de canções que são uma espécie de resposta para a música de John. A mais conhecida é “God Part II”, gravada pelo U2 no álbum duplo Rattle and Hum (1988). Seguindo a mesma estrutura lírica de Lennon, mas com outra melodia, Bono homenageia Lennon cantando na letra as suas crenças e revela aquilo em que não acredita. Fica clara a visão religiosa de Bono, natural de um país com uma tradição religiosa tão forte e presente quanto a Irlanda, com o cantor do U2 iniciando a canção afirmando que não crê no demônio e em seu livro, que não acredita em excessos, nos ricos, no corredor da morte, na cocaína e em uma série de outras coisas, e que acredita somente no amor. A letra de “God Part II” contém também uma alusão direta a “Instant Karma”, outra canção de John Lennon, usada em um verso que critica o escritor norte-americano Albert Goldman e sua blasfêmia, referindo-se ao livro As Vidas de John Lennon, obra que causou muita polêmica e discussão ao revelar ao mundo os supostos problemas pessoais, os vícios e a personalidade extremamente difícil de Lennon.


Porém, o ataque mais direto ao clássico de John está em “God Part III”, faixa composta e gravada pelo norte-americano Larry Norman, um dos pioneiros do rock cristão. A música está em Stranded in Babylon, disco lançado por Norman em 1991. Seguindo uma melodia semelhante à canção original, Norman dispara contra John e os Beatles sem dó nem piedade. A letra já começa com um sonoro “I don’t believe in Beatles, I don’t believe in rock”, para depois polemizar com a frase “você pode facilmente abater o número 1 com uma bala”, uma clara referência ao assassinato de Lennon, em 8 de dezembro de 1980. As críticas à trajetória de John seguem, com Norman afirmando que “não acredita na revolução ou em palavras vazias sobre a paz”, referindo-se ao clássico “Revolution”, dos Beatles, e à “Imagine”, “Give Peace a Chance” e a cruzada de John e Yoko pela paz em todo o mundo no início da década de 1970, quando o casal concedeu diversas entrevistas em uma cama de hotel. O ápice da canção é uma antítese à letra de Lennon, com Norman cantando repetidamente o verso “I believe in God”. 

Controvérsias e discussões à parte, o fato é que a genialidade de John Lennon tem um dos seus pontos mais brilhantes em “God”. O mesmo pode-se dizer do U2, que em sua homenagem ao Beatle concebeu uma das suas mais fortes - e, de maneira controversa, menos conhecidas - canções. Em relação a Larry Norman, o que temos é uma típica letra pregando a sua crença, algo predominante na maioria de suas canções. 

Na pequena playlist abaixo, você pode ouvir as três faixas e também a versão de "God” gravada pela banda norte-americana Jack’s Mannequin com a participação do lendário Mick Fleetwood (do Fleetwood Mac) para o álbum tributo Instant Karma: The Amnesty International Campaign to Save Darfur.

Um comentário:

About Us

Recent

Random